Foi bom, mas acabou. Se você quiser seguir a gente, seguem os links.
Quer achar a gente?
Foi bom, mas acabou. Se você quiser seguir a gente, seguem os links.
Chaga Acesa
Sondando um pedaço do espelho
O brilho é invisível
A cada despedida permanecemos livres
Ninguém nos tira a chave das linhas
Um circo literário para desafiar raízes
E num lance mágico a poesia é limitada
Uma frustração que se instala nos papéis poéticos
Ainda assim, acredita o verso ser descarado
Perfurando em suas mais variadas formas
Manifesto, faminto e diversificado
E não há arte sem ousadia
Arte deve ser tomada pelo fogo soprando pra fora o que procriamos com sorrisos
Se viver arte fosse catar a dedo quadros, morreriam de tédio todos os poetas
Arte não tem extremos, não é forjada
O espelho do outro não pode ser negado, repartido ou trocado
Antes, generosa e sábia arte abre espaços na medida de cada um
O grande poeta é por isso, um grande indisciplinado
Sabe partilhar como ninguém de toda arte coagida
E a melhor poesia de um artista é a que consegue rir antes do adeus
Traduz em gargalhadas a fúria estimulada por novos pedaços luminosos
Renovando nas vísceras a verdadeira arte: a ambulante
Arte é chaga acesa.
PRIMAVERA
Nascem as flores que não foram sementes minhas.
As cores em tons de rosa e vermelho carmim nada indicam. São apenas cores de flores. Nada destoa em tons.
No máximo, o violeta que, também, nada indica.
Sem muitas razões, as flores existem e multiplicam-se.
São mais belas em cada primavera que chega com seu ar de graça.
Não há razões para que as cores se misturem no ramalhete de rosas que pintam cores no meu dia. Mas eu invento. Sempre invento. E de tudo faço verdades minhas.
E o tempo que me circunda de rosas e me faz febril... são anseios que me correm presos ao que não falo, porém, sinto.
As cores bordam tuas palavras que não são ditas e eu leio nos teus olhos as verdades que nascem nos meus sonhos quase reais.
Mais uma vez, tomo posse da magia que me permito viver e faço deste dia que nasce primavera, dia meu, flores minhas, cores nossas.
Não preciso que ditem nada e nem que me dêem datas. Há tempos me permito ser noite ou dia, conforme a lógica ou a falta de lógica de tudo que tenho e sinto.
Primavera. E para todas as flores que nascem, espeta um espinho nos meus versos.
Dores e amores nunca deixarão de rimar.
O que somos?
Começo a imaginar se não somos máquinas. Sei que soa estranho e um tanto quanto contraditório, mas estou começando a acreditar nisso. Imagino que somos produtos de uma grande corporação onde nossas retinas já foram registradas, nossos perfis rotulados e nosso comportamento estudado. A cada momento, a cada situação nós somos testados e avaliados.
Seja no limite da dor física ou no limite da dor psicológica. Seja na solução de um problema, ou na superação de um ato heróico. Seja suportando um turbilhão de acontecimentos ruins ou na calmaria de uma vida monótona, onde nada acontece.
Acredito que tudo que vemos e ouvimos servem como microfones e vídeo câmeras para denunciar aquilo que a pessoa – ou nesse caso, a máquina – ao lado está fazendo. Mas ainda não compreendo como podemos ser avaliados quando estamos sozinhos, sem ninguém por perto. Talvez um sistema de leitura de pensamentos. Por mais que a máquina humana seja uma das coisas mais grandiosas e precisas já colocadas na Terra, ainda acho que existe uma tecnologia maior, àquela que nos controla e nos estuda. Àquela da qual nos expõe ao nosso limite; que nos testa de uma forma impiedosa, mesmo quando não temos mais forças para seguir adiante.
Outra possibilidade da qual eu não creio muito, é da que seria o ser humano um Deus. Um ser incrivelmente poderoso capaz de se colocar em situações extremas, sem mesmo se dar conta que sua própria vontade é, apenas, se testar. Somos capazes de raciocinar em velocidade superior a qualquer processador já desenvolvido. Nossos olhos enxergam cores da qual nenhuma máquina fotográfica é capaz de reproduzir. Nosso organismo é capaz de atuar, sem sequer notarmos, contra qualquer coisa que venha ameaçar a nossa saúde. Nossa existência permanece incontestável diante da incrível e intolerante força da mãe natureza. Nós somos seres superiores e nem mesmo sabemos ou nos damos conta disso.
Mas é possível que tudo isso tenha sido implantando em nossas mentes pela organização da qual retêm nossa patente. Sendo assim, podemos ser apenas fantoches ou ratos de laboratório de um propósito muito maior àquele que imaginamos. Fico sentado em meu quarto olhando ao meu redor e pensando nisso. Sei que em um caso podemos nos danificar ou sermos substituídos por algo mais avançado, e sei que por outro lado, podemos perder nossas forças se não tivermos nossa própria crença. Fico me questionando e tentando entender o que realmente somos. Máquinas ou Deuses?
A visão dos problemas
A porta do quarto se abre, fico em silêncio. Você acaricia meu rosto e beija minha testa - que beijo doce. Você nota minhas lágrimas e suavemente sussurra em meu ouvido:
- Estou ao seu lado meu amor!
Meu Deus, como aquelas palavras me tocaram. No mesmo instante eu abri meus olhos, e mesmo sem ver eu sorri.
Espantada, e ao mesmo tempo feliz, você me abraçou e agradeceu por eu estar acordado.
Acariciei o seu rosto e disse:
- Eu daria a minha vida para ver o seu sorriso mais uma vez!
Mas você delicadamente cobre meus lábios com um beijo, e em seguida, responde:
- E eu daria o meu sorriso para que não perdesse a vida...
Naquele dia, percebi que eu não precisava enxergar. Pois eu tinha a certeza de que a pessoa que eu precisava, estava ao meu lado me abraçando, me mostrando que podemos viver e que podemos sorrir... Mesmo tendo problemas, e mesmo sem enxergarmos os problemas, nós podemos ser felizes.
O Timbre
Os lábios agora quase disseram. Nem ódio ou mágoa, apenas um grande vazio nos corredores. E a imaginação tão real perseguia seu cheiro na tentativa de dispersar saudades.
Os dias explodindo em cada fresta torturando em protesto a latente vontade de desistir.
A fé devia estar escondida em algum canto do quarto. Percebia uma inevitável volta, insatisfeita e faminta.
Entre nós, cada um em uma parte de existência da qual não se compreende. E assim mesmo, o que mais fazia falta era sentir o corpo estremecido com a vibração de sua voz.
Teu timbre era uma aula. Entranhado em cada poro meu.
A garganta queimando enquanto vivo em muitos lugares na tentativa de parar o que não termina por dentro. Descobrindo que não há verdade além do estraçalhado aqui e lá.
E o fantasma ainda sussurrando em delírio no corredor. A voz distante marcada avulsa. Projetando uma simplicidade que dói. Nossas conversas entrecortadas e mais uma vez desconhecidas.
Ao longo da noite, extremos que estranhamente me recordo. E se você não compreendesse o que escrevo, esconderia sob os lençóis o desejo pintado por todo o corpo. E então saberia.
Se fosse pra exprimir a verdade maior de dentro do peito, veria que todos estão tão perdidos quanto nós.
Estou humana, mastigo nossas sementes para que a lembrança permaneça.
Pegando no ar!
Prisioneira da Canção
Transformar teu sonho, paisagem.
Intensifique as notas e aumente os tons.
Mate e reviva teu peito em meus tambores.
Me amarre em seus versos.
Ausente
Quero me doar em versos...
Nem aí!
Ouço aquilo que agrada os meus ouvidos, sinto a liberdade entrando pela janela e observo tudo àquilo que me dá na telha; seja uma saia curta, seja um carro importado, seja um velho bêbado na rua. O braço pra fora da janela e o sorriso no rosto. Não estou tentando atrair olhares, apenas estou feliz. Estou satisfeito com o momento – sempre estou, seja ele qual for.
Um apressadinho buzina, o farol acabou de ficar verde. Deixo o palhaço passar, pois eu não estou nem aí, logo eu passo por ele. Faço meu caminho, mesmo sem saber para onde estou indo. A música aumenta conforme o meu pé direito se aproxima do assoalho. O ponteiro gira e o vento bagunça meu cabelo.
Vejo um radar, corto pela direita e no retrovisor eu vejo a luz do flash. Não estou nem aí! Eu quero acelerar. O sol está se pondo, a temperatura não poderia estar mais agradável e meu braço se movimenta de acordo com a batida do som.
Mais um semáforo e dessa vez eu paro. Ao lado do meu carro uma mulher maravilhosa. Flertamos. Tentei trocar algumas palavras, mas ela fez doce. Assim que o farol ficou verde, arranco cantando o pneu e dou uma trancada nela. Isso é pra aprender a não se fazer de difícil. Metida!
Continuo acelerando e dessa vez tenho espaço para pisar. Não terei que brecar tão cedo, ou talvez, não precisarei brecar mais. Em alguns quilômetros aquela curva vai chegar e eu não vou brecar. Será que vou passar reto ou irei capotar? Tanto faz, afinal, o que o médico me disse mesmo? Talvez uma semana, duas no máximo... Hoje completam duas semanas, não vai restar mais tempo mesmo. Então não importa se eu passar reto ou capotar... Eu não estou nem aí!
Destino
Verdades e mentiras
Cheguei a me sentir traído quando as verdades ficaram claras para mim. Senti-me tolo por ter acreditado em você, por ter dado ouvidos a você. Confesso que até raiva eu senti. Mas é engraçado como, ao mesmo tempo, eu descobri o seu esforço para que suas palavras fossem levadas a sério e que aquela conversa se tornasse real dentro da minha ingênua cabeça. Você realmente se empenhou nisso e por pouco não foi bem sucedido.
Com o passar do tempo, novas histórias foram contadas, mas todas elas continuavam sendo mentiras; mas devido ao meu convívio com o tempo e as minhas últimas descobertas, as histórias eram mais sutis, eram mais realistas. Mesmo ainda contendo mentiras e fantasias.
Você nunca foi uma pessoa má e hoje compreendo todas as suas atitudes. Envergonho-me em dizer que até faço o mesmo que fez comigo. Hoje eu apóio cada mentira que me fez acreditar. Compreendi a verdadeira importância disso tudo, e passo tudo adiante. Os papéis se inverteram e tenho certeza que sempre soube que isso aconteceria.
Irei me contradizer, mas as minhas acusações são muito mais injustas do que deveriam ser. Suas mentiras não foram tantas assim como venho dizendo. Na verdade, muitas coisas foram criadas na minha cabeça; acreditei em coisas a seu respeito simplesmente por ‘achar’. Sua culpa está no fato de me manter acreditando naquilo que achei a seu respeito.
Mas não me leve a mal, como disse, hoje eu compreendo e faço o mesmo. Hoje eu me orgulho, a cada novo dia. Hoje... meu sorriso só existe pois você me ajudou a construí-lo. Acredito que um texto semelhante a esse foi escrito por você quando eu era pequeno, e tenho certeza que um outro será feito daqui a certo tempo. Essa história é vivida em muitas famílias, mas poucos registram isso como estou fazendo. Por esse motivo, sinto-me responsável por deixá-la clara e sincera; represento a história de muitas pessoas e não só a minha. Muitas crianças foram enganadas e iludidas no passado, mas quase todas fazem o mesmo hoje. Assim como eu, eles compreenderam a importância disso tudo.
Quando pequeno, eu acreditei que você fosse imortal. Em nenhum momento pensei que você fosse vulnerável a uma faca, ou a um tiro, seja lá o que fosse. Foi quando pegou uma pneumonia que vi o quanto era frágil. Mesmo sem ser policial, ou mesmo não usando fantasias, sempre acreditei que fosse capaz de enfrentar qualquer vilão para me proteger. Achei que você fosse um herói. Até aquele dia em que tomou uma surra do vizinho por ter ralado no carro dele, lembra?
Você mentiu ao dizer que sempre iria me proteger e que, estando em seus braços eu estaria no lugar mais seguro do mundo. Quantas noites chuvosas você me acalmou com esse papo furado? Não consigo nem lembrar.
Nunca pensei que houvesse no mundo alguém mais sábio que você. Acreditei nisso até tirar um 2,5 no trabalho de datas históricas em que você me ditou as respostas e nós erramos quase todas. Você nunca foi bom com a história do Brasil mesmo, né?
Não irei me prolongar contando cada fato em que me iludiu ou me enganou. Já vi que você não esteve ao lado de Dom Pedro e que nunca esteve em uma guerra – tirando aquela de travesseiros. Também sei que nunca foi um galã de novela e que na verdade foi a mamãe que te convidou para sair. E não me diga para respeitar as leis de trânsito e a dirigir com educação, pois lembro de como comemorou ao jogar água de uma poça sobre uma senhora naquele dia de chuva – aquilo realmente foi engraçado. Mas e as multas? Continua recebendo muitas ainda?
Descobri com o tempo que você está longe de ser um herói e que você é repleto de defeitos. Todos nós somos. Não vou mencionar nada a respeito de sua idade, tá? Seu maior erro foi me fazer acreditar que eu tinha um super herói como pai. Mas hoje eu sei o quanto esteve certo, pois hoje eu sou pai e sigo seus passos. Faço com o meu filho o mesmo que fez comigo. Não estou me saindo tão bem, pois seu neto já sabe que eu não sou um gigante; encontramos um jogador de basquete ontem no parque. Mesmo assim, seguirei seus passos, pois hoje eu sei o quanto essas mentiras e falsas ilusões foram importantes pra mim. Elas me fizeram ser quem eu sou.
Hoje eu sei que meu pai é um homem comum, mas que ao longo da minha vida ele foi tudo aquilo que imaginei. Foi invencível, foi um herói, foi um astro, um gigante. Foi honesto, foi sábio. Foi tudo aquilo que hoje eu sou para o meu filho. E vou buscar sempre ser ao longo de sua vida. E farei isso sem deixar de ser, acima de tudo, aquilo que você sempre foi e sempre será... O meu pai!
Pai
Às vezes choro outras sinto medo calado
Não sei me defender e o mundo me machuca
Nos meus sonhos busco um guerreiro honrado
Herói poderoso que fique ao meu lado
Alguém que me livre das dores da luta
Sei que é ele, mesmo no escuro
Ele não acende a luz, mas sabe onde vai
Eu diviso o seu sorriso que o breu esconde
O reconheço, mas não sei chamá-lo pelo nome
E ele se alegra toda vez que eu digo pai.
Valsa
Versos brancos para o corpo branco
Azuis os olhos
Cereja a boca
Derme, epiderme
Pele
Pele a pele
Pé no chão
Pernas brincam sob o lençol branco
Pêlos poucos
Pêlos claros
Arrepios
Dança de curvas secretas
Verdades à contra-luz
Seis Letras
Transmissão de pensamentos
Uma caligrafia e intenções inconfundíveis
Sabemos que com o corpo, lemos nossas próprias poesias
Brotamos de um tecido cortinado
Temos sono, noite, e estrelas
Temos arte em movimentos poéticos
Germinamos descarados em qualquer cena
Inúmeras linhas tecidas em poros
Escrevemos em fórmulas de desejos incompreendidos
Esta página é um itinerário abusivo
Aqui, inventamos um ócio transgressor
Nos apropriamos de uma literatura renovada
Expelidos das palavras, nossa paisagem é o papel
Temos um vício que nos pertence desde sempre
Seis letras erguendo nova possibilidade
Seis orgasmos em uma oração
Fazemos dos delírios convincentes
Servimos o desejo das palavras
Existe troca em nossos descompassos.
Sem Sono
é pra falar de sono?
Construindo sonhos
- Vamos logo com isso Miguel. Já está na hora de ir pra casa. – Gritou Fernando.
Durante o caminho de volta à vila, os dois amigos conversavam. Miguel mais olhava o céu do que seu amigo. As palavras não lhe atraiam a atenção, não mais do que o céu estrelado sobre suas cabeças.
- Essa tal de São Paulo vai ser uma grande cidade. Você não acha, Miguel?
- Ah?! Ah, sim. Claro! – Depois de um breve silêncio, comentou. – Fernando, por que a gente não trabalha de noite?
- De noite? Que moléstia você tem, Miguel? De noite é escuro, não dá pra trabalhar.
- Mas as estrelas são tão brilhantes. Poderíamos trabalhar apenas com a luz delas. Aí, a gente não ia se cansar como se cansa de dia. E a gente pode se inspirar olhando o céu.
- E desde quando gente como nós precisa se inspirar, Miguel? Nosso negócio é levantar parede, muro, tijolo, fazer caminhos e outras coisas. Inspiração é pra burguesia, pra artista. Inspiração é pra aqueles que vão morar nessa São Paulo.
A conversa terminou, e ambos seguiram para suas casas. Eram humildes, mas estavam recebendo uma boa refeição e alguns tostões pelo serviço. Faziam parte de uma seleta mão-de-obra, responsável pela construção de uma grande cidade; da nossa São Paulo.
No dia seguinte, Fernando chamou Miguel, que preferiu ficar mais um pouco. Mas esse pouco durou a noite toda; noite, em que Miguel ergueu um comprido muro. O trabalho noturno tinha rendido, e não seria capaz de fazer tudo aquilo nem em dois dias de trabalho duro.
- Miguel. Você fez esse muro sozinho durante a noite? – Perguntou Fernando ao chegar no local de trabalho.
- Fiz sim. – Orgulhou-se. – Trabalhar de noite é melhor, mais calmo e com mais paz.
- E por que fez esse muro? Ele não vai servir pra nada.
- Serve sim Fernando. Ele pode servir para observar o céu. Ver as estrelas.
- Mas a cidade vai crescer. Talvez não seja mais possível vê-las. Ele vai ser esquecido no meio dos grandes casarões.
- É verdade. – Respondeu Miguel entristecido. – Talvez as pessoas se esqueçam de olhar para o céu.
...
Hoje aquele muro ainda existe. E é nele em que eu olho para o céu e vejo as estrelas.
Naufrágio
Ali deitada do teu lado vi um horizonte. Algo como uma linha fina, um traço quase invisível que separava esse mar de águas paradas e o céu, azul mas sem pássaros. Talvez fosse a tua culpa.
Ali deitada na tua cama, sentindo o cheiro do teu cabelo, avistei essa rachadura no teto. Esse céu sem estrelas que se estende sobre nossas cabeças e que agora nos oprime nesse mês de julho. Pobre de meu céu, testemunha das constelações que criamos. Agora a rachadura. Talvez fosse o concreto cedendo aos poucos, formando goteira.
Me levantei. Na ponta dos pés, com a ponta dos dedos, podia segurar a rachadura. Enquanto você, ali deitada, dormia um sonho ainda mais distante que o meu e nem desconfiava do que acontecia na sua própria cama. As gotas se formavam ao redor da ponta dos meus dedos. Escorria lágrima dos meus olhos. Doces ou amargas, as águas se misturam. Cada gota, uma a uma, percorria os meus dedos. Eu não sabia mais por que ainda tentava. Mas não podia deixar chover sobre nossa cama. Não podia. De repente, o horizonte, cada vez mais perto. E a tormenta que afunda o nosso barco. Talvez fosse o meu medo.
Você, mocinha em apuros, e aquele pirata te levou embora. Sozinha nesse mar, eu só tinha essa linha e essa rachadura. Cansada demais, soltei e me deixei cair na cama, deitada do teu lado. E esse céu que desaba água sobre o nosso pecado. Talvez fosse esse amor pela metade.
Meia Verdade
Eu não sou Deus nem o Diabo, não sou bom nem mau. Sou fruto da mente de uma minoria que conhece os métodos de manipulação.
Eu não morri na cruz, nem lavei seus pecados. Não fui mártir, nem ladrão. Uma pomba não desceu dos céus. Não ressuscitei Lázaro. Os peixes e pães jamais multiplicaram-se. Judas não foi tão cruel assim. Não sou do Papa nem de Buda. Casei e fiz amor. Nunca neguei ou afirmei.
Não sou mentira. Sou uma meia verdade que oscila.
E no princípio, Deus criou os cínicos e os dissimulados.
Seus olhos
Fui transportado para lembranças que já estavam esquecidas. Momentos que haviam se apagado da minha memória.
O sorriso em seu rosto era como uma apunhalada nas costas, contrariando tudo o que eu estava tentando sentir. Ele dava forças às suas palavras, trazendo-me conforto e serenidade.
Sua pequena mão segurava a minha com firmeza e segurança. Era eu quem precisava do conforto. Como podia uma pequena criança trazer tanta sabedoria e tranqüilidade? Como poderia eu, comportar-me como se fosse indefeso diante dela?
Suas palavras conduziam-me ao lugar mais tranqüilo da face da terra, dizendo-me que tudo ia ficar bem. Aquele seu sorriso confirmava o que dizia, era impossível não acreditar.
Mas seus olhos, havia algo em seus olhos.
Somente quando eles se fecharam, quando a força de sua mão ao redor da minha diminuiu e o sopro de vida deu o último suspiro em seu peito, é que percebi que você mentia. Percebi que as coisas não ficariam bem.
Foi quando perdi minha filha que eu descobri que a boca e o corpo podem mentir, mas os olhos não.
A mentira
Variações de uma mesma inveja
A Louca
Passa, rasteira, corrompida
Diante de toda felicidade, o corpo quer sair de uma oração doentia
Nas sextas, sai a louca do espelho
Transborda para o bando seguir livre
Hoje, ninguém nos tira
Os símbolos das praças que nunca fomos
Edifique a festa em um maldito sonho inacabado
Cada pé descalço, capricha em sua fantasia
Invejo o suor de todo o conflito.
A Dama
Quando a dama se esquece do luto,
Faz morada em antigos conventos
Recalques precedidos de glória
Evoca sentidos desejando a morte do outro lado da rua
Óbitos em sono e prece
A dama permanece nas tintas
Pousa em tecido da carne que se ergue
Forma calor moribundo impregnado em ebulições
O feto mexe morto em seu ventre
Em seus olhos cansados ela esquece de abençoar a língua
Prova-se. Está viva. Constata por baixo de cada cratera uma ferida
A intensidade da dama é também a sua morte
Invejo o sulco retirado das tragédias.
A Santa
Só tenho um grão que me esmaga
Espero quieta, nada que eu diga findará esta falta de calor e abrigo
Meu leite empedra e ainda nem sou mãe
Do outro lado, aceno ao ventre seco
A morada do corpo ainda é a placenta doente
Sou fraca,e minha nobreza não sabe sorrir
Invejo os óvulos gigantes que enrolam-se entre si.
A Dissimulada
A cama acalenta insones e insanos
No barro inútil é estreita e passa
Não respeita o corpo
Arromba o que arrancam dela todos os dias
Este sexo confessa todos os crimes
Carrega no colo toda marginalidade
Dissimulada, saboreia os conflitos de outras páginas
Deita-se com seus próprios personagens
Sua fome é sua platéia
Invejo os orgasmos naturais.
A Humana
Identidade. Tudo ali, na prosa infértil
Percorre em segredos engolidos toda a frustração
Sua embriaguez é proposital
É de Deus e do mundo
Foi jogada a loucura de uma poesia estagnada
Enquanto indivíduo, é pura oscilação
Seguimento inteiro e disperso
Dentro de toda inveja não há espaço pra cura.
Por ora, Inveja.
Dono da razão
Eu vou seguir em frente com meus acordos e meus negócios, tenho certeza que ganharei mais dinheiro do que já tenho e aí jogarei, com orgulho, essa verdade na cara daquele velho. Risc, risc. Aquele encardido só sabe palpitar. Odeio pessoas intrometidas. Risc, risc.
Perdi minha família e meus herdeiros, não tenho que me preocupar com mais nada além de mim. Se eu corro risco, o problema é meu! Risc, risc. Sempre me deito com a consciência tranqüila, mas aquela maldita voz permanece em meus ouvidos. Risc, risc. E pra piorar, aquele velho babão não consegue nem mesmo falar direito. Afinal, quantos dentes sobraram na sua boca? Risc, risc.
O tempo passou e meus negócios não prosperaram como eu imaginei. Não tem coisa pior nesse mundo do que ouvir aquele idiota dizer: “Eu falei!”. Risc, risc. O ancião tinha razão, mas foi pura sorte. As chances eram 50-50. Apostei que daria certo, e o babaca fez questão de me contrariar dizendo que não daria. Risc, risc.
A única propriedade que me restou foi a velha fazenda que pertenceu a ele. Na verdade, acho que foi ele quem construiu essa espelunca que está a ponto de despencar. Risc, risc. Eu nunca odiei tanto uma pessoa como odeio esse velho intrometido. Se existe alguma coisa no mundo que possa trazer azar para alguém, essa coisa é a múmia ambulante que está no quarto ao lado. Risc, risc.
Estou aqui pensando... Sou tão azarado que esse velho, mesmo estando com um pé na cova, vai viver mais do que eu. Risc, risc. Eu poderia mudar isso, sei disso. Mas eu aposto o coração que bate no meu peito que se eu falasse que viveria menos do que ele, o maldito se jogaria do penhasco apenas para ter a razão, como sempre teve. Risc, risc. Ele faria isso e gritaria, “você se enganou de novo!”. Eu não suportaria.
Então, dessa vez eu não deixarei que ele seja o dono da razão. Risc, risc. Pelo menos uma vez em minha vida vou tomar uma decisão que ele não terá como me contrariar e ainda por cima sair com razão. Risc, risc. Hoje, esse velho otário vai ver só. Quem ele pensa que é? Risc, risc. O que é que ele pensa que sabe? Ele não sabe de nada!
Ele pode ser mais experiente, ele pode ter vivido mais tempo do que eu. Pode até mesmo já ter passado por tudo que eu passei e ter aprendido com isso. Risc, risc. Mas isso não lhe dá o direito de palpitar e contrariar minhas decisões. Ainda por cima, teima em estar certo quando me repreende. Risc, risc. Hoje eu acabo com ele.
Passo o dedo pela lâmina. Risc, risc. Sim, está extremamente afiada. Risc, risc. Corto aquela maldita língua junto com suas sempre-certas-decisões. Risc, risc. Aproximo dele e não faço a menor questão em me esconder, a decisão é minha e ele não pode me contrariar. Risc, risc. Hoje, sou eu que tenho a razão. Ele vai morrer.
- Você vai me matar – ele afirmou com a voz calma e cuspida entre as gengivas banguelas.
Aquilo me congelou, paralisou meu sangue e me deixou desconcertado. Maldição! Que velho filho da puta! Eu não posso deixá-lo morrer tendo razão. Risc, risc. Confiro a lâmina e o fio está mais afiado do que nunca. Risc, risc. Penso por alguns instantes e, por fim, dou uma gargalhada. Risc, risc. Os olhos castigados pela catarata se arregalam ao ver a lâmina passando pelo pescoço em um movimento rápido e decidido.
Minha visão começou a ficar turva, senti o sangue escorrendo pelo extenso corte que fiz; o ar não chegou mais em meus pulmões. Quase não senti dor, pelo contrário, senti a melhor sensação da minha vida. Dessa vez ele não teve razão. Hoje, eu morri com a razão!
Planeta Anão
[Parte 1]
Tendo nascido na era auto-ajuda, Marina se sentia enjoada perto daquele tipo de pessoa que sempre tinha uma frase feita na ponta da língua para levantar o astral nos momentos de tristeza. A tristeza é boa, ela pensava. Se nunca tivesse ficado triste, não saberia o que é alegria. Se nunca tivesse tido uma foda ruim não saberia até hoje o que é uma foda boa. Marina agradecia em segredo a cada foda ruim que teve. Fazia isso mentalmente e baixinho enquanto esperava o ônibus chegar.
[Parte 2]
E se existisse uma resposta astrológica para tudo? Marina odiava astrologia. Era capricorniana e soltava vômitos múltiplos quando diziam que capricornianos são sérios e responsáveis. Será que só ela percebia que data é uma coisa inventada da mesma forma que o Papai Noel e o coelhinho da Páscoa? Como separar pessoas pela data do nascimento e dizer que fulano é legal porque nasceu dia 20 de abril e Mariquinha é nojenta porque não nasceu algumas horas antes, quando a lua ainda era cheia e a ursa maior ia de encontro às três marias? Marina pensava nas besteiras astrológicas que já tinha ouvido ali parada olhando para aquele babaca que queria explicar o fim do namoro dela culpando seu ascendente. Rafael – o nome do babaca.
*Trechos do romance "Planeta Anão"
Já não estou
Indefinida ida
Instigante e confusa
Instantaneamente expelido
A incapacidade dos músculos conduz a expectativas irreais
Programo-me para não amar
Dá-me rotas, pois estou doente de razão
Amei um homem humano
Corro em pedaços enjoados do que restou
A sensação de fuga é desconfortável
Eu já não estou
Permeio a penúltima curva
Sigo sem saída
Nós dois numa queda
Ele não entende minha língua
Além de qualquer caminho há volta
Preparo o imprevisível
Todas as promessas derramadas
Que não me faltem ruas, pois preciso preparar os ânimos...
Amanheci sem conhecer o dia
Encontro-me em despedida
O que ainda me prende?
Nunca me preparo...
Meu amor sobrepõe minha astúcia
Tua bondade é tua loucura
Vou sugar bocas vazias resfriando nossas dores
Segues...
Agora, sei que isso vai passar
Dona de sonoras saudades
Adeus. Me encontra.
Meu Adeus sem o Teu (Te reencontro)
Até o fim
Eu olho para meu reflexo e não me reconheço. Meu cabelo mudou, meu rosto mudou e minha voz mudou completamente – isso quando consigo ouvi-la. Mas fico feliz por ter mudado minha forma de pensar e de ver as coisas. Meus amigos sempre me trazem sorrisos, esperança e conforto. Neles encontro a força que, algumas vezes, falta em mim. É neles que vejo um motivo para continuar batalhando, continuar lutando. Continuar vivendo.
Vejo no rosto dos meus pais o orgulho de ter suportado todas as dores pelas quais eu passei até hoje. Vejo em seus sorrisos a gratidão e vejo em suas lágrimas a saudade que já incomoda. Mas eu ainda não parti, ainda não. Mesmo tendo que re-aprender a respirar... eu ainda estou aqui.
As luzes já perturbam os meus olhos, mas continuo sendo abençoado pelos sorrisos, pelos gestos e toques. Não me passa pela cabeça querer desistir, eu já cheguei até aqui e não irei olhar para trás. Seria muito fácil deixar tudo de lado, mas eu escolhi fechar os meus olhos e respirar. Inspirar, expirar, viver, até o final da batalha. Até o final.
Não lhes digo que estou satisfeito, mas estou contente por ter chegado até aqui. Eu sei que seria fácil desistir, mas eu não farei isso. Chegarei até o final e até lá, irei respirar. Alimentando-me dos sorrisos eu seguirei em frente e não irei mais olhar meu reflexo. Aquele não sou eu.
Você pode se aproximar e chorar, lamentar o que está acontecendo comigo, mas não precisa se comover, eu estou bem, estou vivo. Inspirando, expirando... respirando. Venha até mim, dê-me um abraço, mostre-me um sorriso e lhe mostrarei que isso é o bastante para que eu continue até o final. Eu não deixarei de acreditar, não deixarei de lutar até que a luz se torne escuridão.
Aproxime-se, não consigo falar tão alto como antes. É difícil falar quando se faz um tremendo esforço para respirar. Não tema, o meu mal não irá alcança-lo; irei leva-lo comigo, até o fim. Inspirando e expirando... até o fim, respirando.
Estou definhando, a dor me tira lágrimas e mesmo cercado de sorrisos eu sinto muita dificuldade para manter a força de semanas atrás. Continuo lutando, e não deixarei de respirar. Não queira passar pelo que estou passando, não queira amenizar meu sofrimento com lágrimas e não queira me acompanhar quando eu deixar de inspirar, ou expirar.
Fecho os olhos, poupo energias e concentro a força para manter minha respiração e para me manter consciente. Não desistirei; vou persistir. Hoje sou uma nova pessoa, com novos pensamentos. Lamento não poder me tornar uma velha pessoa. Foi passando por isso que eu comecei a acreditar; foi só agora, que comecei a enxergar. Só hoje sei que cheguei aqui porque lutei. E eu lutei.
Beije minha testa, deite-se ao redor dos meus braços, dê-me alguns sorrisos. Alimente-me com essa fonte que irá prolongar a minha força. Não deixarei as luzes se apagarem, eu irei continuar vivo. Segure minha mão, fique comigo, pois continuarei aqui. Não direi adeus.
Inspirando, expirando. Respirando, até o fim... Até o fim.
São Paulo
- Mas por quê São Paulo?
- Eles precisam de mim lá. É uma ótima oportunidade, não posso perder. – Disse ele se levantando da cama e olhando para o chão desesperadamente atrás da camisa. Ela aponta para o pedaço de pano branco jogado a centímetros de distância.
- São Paulo é longe de mim. – Disse ela de cabeça baixa num tom infantil.
Depois de vestidos, ninguém fala mais palavra alguma. Depois de tanta discussão, o silêncio era a escolha mais sensata. Há pessoas que negam a sensatez. João não era desses. Racional, matemático, pessoa pé no chão, normal, João era como todo mundo. Marina era vegetariana e tinha tatuado no braço uma clave de Sol. Ela era só coração e presente, mas egocêntrica demais para confessar que sentiria falta.
- O táxi chegou. – Ela disse pegando uma das malas no chão da sala. Ele tirou da mão dela e carregou tudo sozinho para o táxi.
O caro amarelo parado na frente do prédio, esperando João embora. E Marina que não teve coragem de olhar para ele no elevador. No táxi, a única palavra: “Aeroporto”.
Enquanto ele verificava documentos, passagem, procurava seu portão de embarque e se perguntava insistentemente se não esquecia nada, Marina sentada no banco via as pessoas passarem. Apressadas, como sempre. Fazendo planos. E a única coisa que Marina planejou até agora era chegar em casa e tomar banho. Talvez depois bebesse café e colocasse o cd do Chico para tocar. Talvez chorasse ao olhar a cama vazia e o lençol ainda amarrotado. Mas isso ela não planejava. Marina era do tipo de pessoa que não planeja, mas tinha guardada a imagem deles dois sentados no sofá com os cabelos brancos com um álbum de fotografias nas mãos. Rindo juntos. Mas isso era um plano?
- Meu vôo é daqui a quinze minutos. – Disse ele. E Marina distraída olhava um menino de cabelos loiros sentado ao lado com sua mãe tentando abrir com os dentes um pacote de biscoitos. – Escutou, Marina? Eu vou embora daqui a quinze minutos.
- E quando você volta?
- Eu não sei se eu volto, Marina. Eu já te expliquei isso.
Ela olhou para o painel com o horário dos vôos. Lembrou sem querer da festa em que se conheceram. Ela tinha acabado de voltar da Itália. Ele estava bebendo cerveja. E pensar que esse tipo de coisa começa só com uma troca de sorrisos. Um gesto tão simples. Quando olhou para ele de novo, João já estava com as malas nos braços. E com água nos olhos ela insistiu:
- Mas por quê São Paulo?
Ele não respondeu. Seguiu em direção ao portão de embarque e ela foi atrás correndo meio desengonçada, com os braços cruzados apertados, olhando para o chão. Ele beijou sua testa e disse:
- Vou sentir saudade. – Mas ela não disse mais nada. Se virou e foi andando embora.
Olhando ela de costas indo na direção contrária, João disse para si: Ela que vai me deixar, ela quer ser aquela que vai dar às costas. Olhou depois para a passagem nas mãos: São Paulo. Ele lembrou pela primeira vez daquela troca de sorrisos. Da cerveja e da menina de cabelo preto sentada no sofá na festa na casa do Fábio. Lembrou de ter sentado do seu lado e ter perguntado:
- Tudo bem?
- A Itália é linda. Vou morar lá um dia. – E lembrou de ter escutado isso milhões de vezes nesses dois meses.
- Marina! – Ela se virou – Eu fico.
- Não, João. Você tem que ir, estão te esperando em São Paulo.
- Então vai comigo, Marina. – Disse ele em um tom quase de choro, que soa a desespero engasgado.
- Quê? – Ela franziu a testa.
- Vai comigo e a gente casa.
- São Paulo é pequena pra mim, João. Achei que você já soubesse disso.
E então ela se virou e foi sim aquela a dar as costas. E não teve que ver o outro partindo. Marina deixou João e seguiu sem procurar ser entendida.
Questiono
Há quinze bilhões de anos, mais ou menos, “Big Bang” (barulho) e, toda energia concentrada e densa sofreu uma grande explosão e assim criou-se o Universo, dizem os cientistas.
Já Deus, em sete dias, criou céus, terra, luz, trevas, águas, árvores frutíferas, sementes, animais (a serpente, por exemplo), Sol e Lua para separar o dia e a noite e ainda criou o homem (Adão). Depois de tanto trabalho, descansou no sétimo dia, conta Moisés no primeiro livro da Bíblia, Gênesis, escrito, segundo registros, em 1410 a.C. (antes de Cristo).
Quanto à criação do homem, a ciência diz que somos uma evolução do macaco. Mas quem criou o macaco? Se, por acaso, alguém responde que foi Deus, quem criou Deus?
A energia concentrada e densa que sofreu a explosão há quinze bilhões de anos dando origem ao Universo, quem criou? O que era o tudo antes de ser... tudo?
Quem contou para Moisés que Deus criou o Universo? Claro que é uma bela narrativa a Criação do universo. Prefiro isto à teoria do Big Bang. Muito mais romântica. Aliás, quem ensinou Moisés a escrever assim?
“Adão e Eva”, “Os Sete Pecados Capitais”, “A Arca de Noé”, entre tantas outras histórias da Bíblia, seja novo ou antigo testamento, são histórias fascinantes! E se não fosse pela linguagem rebuscada, diria que são histórias pós-modernas! A tentação, a traição, o descontrole sobre os instintos, as tragédias naturais, luxúria, avareza, inveja, gula, ira e até mesmo a condenação de saber a diferença entre o bem e o mal, são temas mais que atuais, apesar de terem sido tema do primeiro livro de toda a história da humanidade. Impressionante como os “profetas”, assim chamados todos os escritores da Bíblia, são contemporâneos à nossa realidade!
Os dilúvios, por exemplo, não são mais privilégios só de Noé. É só ler ou ver o noticiário de hoje. A diferença, talvez, pode ser a Arca. Ou melhor, a construção dela. Porque, dificilmente encontraríamos nos dias atuais um homem como Noé. Os heróis de hoje demandam de pouca fé. São escassos!!! Poucos e raros, geralmente são tão ocupados em matar a fome que não resta tempo para pensar na falta dos sentimentos que rompem os laços do mundo. Tem estômago gritando mais alto que a dor de quem perdeu a fé. Assim fica difícil construir uma arca a espera de um dilúvio que nem sabe se virá.
Talvez os chineses!!! Mas só porque são prevenidos. Eles constroem abrigos para se safarem dos terremotos. Mas a orientação vem da ciência e não de previsões místicas. Noé não contava com a previsão do tempo e, ainda assim, construiu sua arca. Será esta grande diferença dos tempos? A decadência dos sentimentos?
Sobram teorias e falta fé. Fé em qualquer coisa que nos é abstrato. Não digo fé em Deus. Digo fé em (repito), “qualquer coisa que seja abstrato”: amor, respeito, generosidade, companheirismo, amizade... E a própria fé! É preciso ter fé na nossa fé. “Minha fé em pó, solúvel, minha fé em pó!” É preciso acreditar em nós e nos nossos sentimentos que a ciência não explica, mas, mudam o mundo. Mesmo que seja o seu mundo. Mesmo que seja o meu. Mesmo que seja um mundo só. Mas os sentimentos mudam o mundo.
Big Bang, Criação Divina, Antigo e Novo Testamento, antes e depois de Cristo? Qual o princípio de tudo? Será o fim? Como, se ainda nem sabemos do começo?
É... Vou viajar amanhã. Estou fazendo as malas. E acabo de chegar à conclusão de que preciso de um baú sem fundo para levar tantos questionamentos sem respostas.
Deixo nestas linhas mal escritas um pouco do barulho que tem minha cabeça.
Eu era uma criança
Mas eu não sabia disso tudo. Eu era uma criança. E naquela época, eu me lembro de assistir desenhos, de ver coisas engraçadas e educativas na tv. Eu me lembro de ver o céu escurecer brincando de queimada com meus amigos. Ah, quantas vezes eu não fui atingido, e neguei até que todos realmente acreditassem em mim? Eu não tinha maldade nos olhos, e por isso, não temia ao cruzar com um estranho. Eu era feliz, eu era uma criança.
As coisas não mudaram ao redor de mim. A violência não aumentou, as mortes continuaram, e o sol continua a se deitar no mesmo horizonte que antes. Continua tão belo quanto antes. E a noite? Mesmo depois de tantos anos, ela continua linda, e às vezes ainda me faz perguntar... 'Quantas estrelas existem no céu?'. O vento sopra, e dessa vez eu sinto o cheiro no ar, um cheiro que não sentia quando eu era uma criança, o cheiro do perigo: Um estranho se aproxima, seria ele um bandido, ou um seqüestrador? Ah, como eu queria voltar para aquele tempo, onde meus olhos não enxergavam essas coisas. Voltar no tempo onde eu ainda era uma criança.
As crianças de hoje não mais brincam de queimada. Será que elas ao menos sabem que brincadeira é essa? Hoje elas jogam videogames, conversam pela internet, e o papai Noel... Bom, o doce e gentil velhinho não mais traz carrinhos e bonecas. Hoje ele trás celulares.
Imagino qual será a programação que as crianças mais gostam na TV nos dias de hoje... Aposto que são os programas de palco que passam aos domingo. Ou seriam aqueles programas que ficam falando sobre a vida dos outros? Ah, como eu queria voltar a assistir desenhos. Meus olhos não mais encontram crianças como antes. Meus olhos não encontram a inocência que tive. Ou será que ainda tenho?
Eu era uma criança. Eu olhava para o céu, e ingênuo eu afirmava: vou ensinar o meu filho a andar de patins. Eu era uma criança e afirmava: vou mostrar os desenhos do pica pau para meu filho. Eu era uma criança e afirmava: vou correr com meu filho pela grama do parque e cobri-lo de carinho. Mas, hoje eu não sou uma criança. Olho para o céu e não consigo ver as estrelas como antigamente. Tento ficar em silêncio, mas ouço gritos, choros, lamentações... O que aconteceu?
Eu era uma criança. E naquela época, não enxergava os problemas. Ou será que eles não existiam? Hoje eu olho para o céu e rezo. Rezo para que um dia meus filhos olhem para o céu. Rezo para que eles possam brincar pelas ruas sem sentir aquele cheiro da maldade. Rezo para que, ao contrário de mim, a esperança não perca a força com o tempo. Pois o tempo me mostrou que, o por do sol vai continuar lindo como antes, e para que isso aconteça, nós não podemos deixar que os nossos olhos mudem.
Estou pensando em todas as coisas que fiz, e não me arrependo de nada. Só me arrependo de ter deixado uma parte da criança que existe em mim, envelhecer. Mas sei que continuarei olhando o céu, e com certeza voltarei a ver as estrelas. Elas sempre estiveram lá.
Eu era uma criança e olhava o céu, e naquela época, não fazia idéia de que hoje eu estaria na frente de um computador lamentando da inocência que eu vivi... Mas, que graças a Deus, eu não esqueci!
Um novo continente
Eu percebi que o aquecimento global, de uma maneira ou de outra, afeta a minha vida. Não de uma forma tão óbvia quanto a mosca que pousou na minha sopa ou a minha tv quebrada bem na hora do horário nobre. Mas me dei conta de que os ursos morrendo afogados no Pólo Norte afetam a minha vida. E eu ainda não estou fazendo um manifesto.
Eu descobri que, quando acordo sorrindo para o meu jardim, uma brisa leve passa e espalha sorrisos nos rostos das folhas. Porque a pétala da rosa é uma extensão de mim mesma. E eu sou vista do espaço pelo cacto que plantei no canteiro da frente.
Aprendi que uma panela de brigadeiro para calar o chororô é, no mínimo, gostoso. Mas isso eu aprendi levando muito na cara. Aprendi a ver a minha cara em outras caras. Aprendi uma técnica de caretas.
É que cada vez que eu danço, alguém abaixa uma arma. E agora sei que fazer alguém sorrir já um manifesto de paz.
Descobri que dentro de mim moram o vermelho e o azul e que com eles eu posso colorir todo o bege do mundo. E consegui seguir em frente sem dar ouvidos a pessoas de cor mostarda. Descobri como manter a vida cor-de-rosa.
Danço
Desengonçada.
Pés, pernas, corpo e alma...
Embalados pelo som leviano da solidão.
Não há público.
Não há palco.
Só há ilusão.
Um dia já foi estrela.
Com saudades de si mesma, fechou o livro que lia e pegou o caderno para escrever o seu. Esboçou suas primeiras linhas de recordação:
No palco solitário de tábuas corridas, já um tanto gastas e velhas, a cortina vermelha mostrava as pontas dos pés de quem ali, no mesmo lugar, escreveu histórias bordadas pelo mais doce calor de aplausos e admiração. Eram meus pés.
A cortina cobria meu rosto vermelho que chorava a dor do meu último espetáculo. Foram anos dançando no mesmo lugar. E a cada dia, a cada espetáculo, a cada dança e a cada passo, me vinha uma sensação diferente.
Me alimentava dos olhos brilhantes e entusiasmados que assistiam aos meus movimentos, às vezes lento, às vezes sereno e sempre agressivo na forma de conduzir os saltos, que era a maneira que gostaria de conduzir minha vida.
A dança, quando cheia de sentimento e entrega, provoca sonhos muito além da imaginação. As almas expectadoras, nem sempre calmas, esperam pelo ápice da fartura desta mistura de movimentos e sons. Aguardam pela satisfação entusiasmada de... "sou mais que um corpo sem estação".
Porque, na verdade, todos nós desejamos nos sentir mais do que somos. Todos nós desejamos sentir mais do que sentimos. E por fim, somos menos do que tudo que poderíamos ser.
Me levanto e, ainda no palco cheio de mim... cheio das minhas lembranças... Saio a andar e não escondo mais meu rosto vermelho. Abro as cortinas e meus olhos ainda choram. Lamento a falta de público. Porque, de tudo que apresentei ali, para tudo que senti havia alguém a registrar.
É difícil não ter quem registre uma despedida.
Não há ninguém para ver minha solidão. Não ouço aplausos. Não tenho o brilho dos olhos de admiração. Já não há mais público.
De tudo, tenho as boas lembranças e, ainda, a dança. Mesmo descompassada... mesmo desajeitada... Sem ensaios prévios, me entrego ao compasso do meu coração.
Não desço do palco. Não saio de cena.
Danço enquanto restar a última gota da minha emoção.
Alice
Sua vida era privada do contato com o mundo externo, não se sabe dizer se foi por proteção ou medo, por parte de seus pais.
Alice tinha apenas sete anos quando aquele trágico acontecimento foi descoberto na pacata cidade em que morava com seus pais. Os vizinhos notaram uma monotonia fora do normal e chamaram a polícia. Gritaram pelo nome de todos, mas na ausência de resposta, a polícia invadiu. O segundo policial trombou no primeiro, que ficou paralisado ao entrar no corredor da casa. Na outra ponta, iluminada pela pouca claridade que entrava por alguma janela da cozinha, estava a pequena Alice, com um vestido azul coberto de sangue. A garota segurava nas mãos uma faca e olhava através da densa franja negra que lhe caia sobre o rosto. Os policiais avançaram lentamente e diante da indiferença da garota, que parecia estar hipnotizada, tiraram a faca da sua mão. Mais ao lado, encontraram o corpo dos pais de Alice, mortos há pelo menos dois dias.
Para uma cidade pacata e com poucos recursos, em nenhum momento passou pela cabeça das autoridades que aquela pequena criança pudesse ter sido responsável pela morte dos pais. Foi concluído que, perturbada e traumatizada, a garota ficou de pé, em estado de choque, por dois dias, segurando a arma que, ou o pai ou a mãe, teria usado para assassinar o parceiro e, em seguida, se matar. Foi levantada a possibilidade de mandar a garota para alguma clinica, mas encontraram os únicos parentes vivos da garota numa cidade não muito distante de lá.
Alice foi para a casa dos tios, que a colocaram em uma escola. Em poucos dias tiveram reclamações a respeito do comportamento agressivo da garota e, para evitar maiores constrangimentos, resolveram mantê-la dentro casa.
A cidade dos tios era ainda menor do que a cidade que morava com seus pais. Em função disso, todos tinham constante contato com o delegado.
No inicio, seus tios tentaram evitar comentários e explicaram para o delegado que a garota tinha um comportamento tímido e por isso que a afastaram da escola, mas com o passar do tempo, revelaram ao oficial que a jovem menina tinha surtos de agressividade que chegavam a assustar.
Certo dia, o delegado recebeu uma ligação dos tios de Alice. Antes que algo pudesse ser dito de forma clara, a linha caiu. Achando a situação suspeita, o delegado se dirigiu até a casa da família para averiguar. Não teve dificuldade para entrar na casa e logo se colocou em alerta ao ver sangue no chão. A mancha de sangue o levou até a cozinha, onde encontrou o casal estendido sem vida no chão. No canto oposto, próximo a pia, estava Alice. A garota estava imóvel e, usando um vestido azul coberto de sangue, segurava uma faca.Assustado, o policial correu para o carro patrulha para pedir reforços e uma ambulância. Voltou com a arma em punho e ao entrar na cozinha, não pode acreditar no que estava vendo. No lugar em que a menina estava, havia outro corpo no chão, com os pulsos cortados. A menina aparentava a mesma idade e usava o mesmo vestido que tinha visto em Alice, porém a garota era loira, de cabelos cacheados e olhos azuis. O delegado não sabia, mas diante dele estava o corpo morto da verdadeira Alice.
Talvez me falte
Talvez alguém que divida comigo a graça do amanhecer sem os travesseiros na cama e o corpo descoberto pelo calor que só existe dentro de mim....
Falta alguém para ver filmes e comer pipocas...
Para ouvir músicas e ter de quem lembrar com o gostoso aperto de saudade no peito.
Falta um tom de voz mais grave no meu ouvido a instigar meus desejos secretos.
Falta um beijo para silenciar as minhas muitas palavras sem nexo nas horas de agonia e aflição.
Me falta uma mão...
Andar de mãos dadas pelos cantos deste mundo, sem leste, sem léguas... Para sentir que há, de verdade, alguém ao meu lado. E sentir que eu estou, de verdade, ao lado de alguém.
Dia qualquer
Não quero ser esse tipo de pessoa. Quero ser aquela pessoa que faz isso a cada dia do ano. Não vou aparecer no horário, com um presente na mão, sendo que me atrasei todos os demais dias do ano. Não abrirei a porta do carro para você descer no momento em que chegarmos a um restaurante requintado. Pois não quero ser esse tipo de pessoa.
Não lhe darei um cartão meloso e repleto de promessas. Nem mesmo irei de bom grado naquele almoço de família e ter que agüentar a sua mãe falando que eu engordei e que eu preciso me cuidar. Não sou esse tipo de pessoa.
Você não vai provar um beijo diferente no dia de hoje, nem mesmo beber uma taça de vinho tinto de uma safra italiana produzida num ano que nem mesmo o meu avô tinha nascido. Hoje não! Pois eu não sou esse tipo de pessoa.
Você me conhece, afinal, namoramos há tanto tempo. Você sabe que tipo de pessoa eu sou. Então, meu amor, na data de hoje, vamos pedir uma pizza e beber coca-cola no sofá da sua casa. Você me conhece. Todos os dias do ano eu cheguei no horário, diversas vezes apareci com um cartão meloso ou um presente nas mãos. Não paro de criar planos ao seu lado, assim como não paro de cobri-la de beijos. Uma vez a cada quinze dias eu passo o dia com a minha segunda mãe e ela sempre se preocupa com a minha saúde. Não teve um só dia em que você entrou no carro sem que eu lhe abrisse a porta, salvo uma vez ao mês quando vamos ao restaurante requintado e o manobrista faz isso por mim.
Você me conhece, e sabe que o que sinto por você é maior a cada dia, não apenas maior no dia de hoje. Você me conhece tão bem, que sabe que eu estou com ressaca daquele vinho do século passado que tomamos ontem. Então, sente aqui do meu lado, vamos ver que filme está passando, pois a pizza logo vai chegar e eu quero você por perto para comemorar o dia de hoje, afinal, não passa de um dia qualquer. Feliz dia dos namorados, meu amor!
Danielle
(para ler em voz alta)
Danielle Danielle. Esse era o som que o cavalo fazia quando andava. Danielle. Ela não gostou do som. Danielle Danielle. Mas as patas do cavalo tocavam o chão e faziam Danielle. Ela fez cara feia e disse que não era um cavalo. Perguntei se ela não sentia o som. Danielle era o som da pata do cavalo tocando o chão.
Do mesmo modo que Cecília é um sussurro no ouvido, Clarice, uma gota d’água caindo, Lourdes, a água do chafariz e Natália, um tapa na cara, o cavalo andava e Danielle ecoava.
Se fizéssemos silêncio, verias que é um som bonito. Só que palavra não se vê nem se escuta, se sente. E teu nome é uma palavra. E está entre as mais bonitas. Você não sente, Danielle? Sinto muito – ela disse. E ainda me acusou de sentir demais.
Danielle Danielle. O cavalo se aproxima, balançando sua crina. Montada nele, com seu vestido longo e pomposo, a princesa dos olhos azuis de piscina e cabelos loiros de platina. Danielle, sente as cores? Consegue sentir a rima? Ela ria de mim, mas não pude parar: Te adoro, Dani, minha menina.
Ser arte
E eu me expresso...
Com dores, com amores, sem rumores...
Sem dores, sem amores, sem rumores...
Eu me expresso...
E arte me faz poetisa...
E a poesia me faz arte...
Faço de mim música...
Faço de mim poesia...
As palavras, sem medidas, me transformam em texto.
Interpreto, sou interpretada...
Analiso, sou analisada.
Mas, me expresso...
Faço da folha quase um impresso de mim mesma.
Eu falo...
Eu canto...
Às vezes, encanto...
Mas ouso a ser arte...
Pretensiosamente, me faço!
Entorpeço, embebedo e me alivio de mim.
A palavras são tecidas como panos de fundo do que sinto...
Os sentimentos, servem como base do que crio...
Do que às vezes minto...
E as palavras decoram as paredes do meu quarto, nunca vazio.
Visão, audição, paladar, olfato, tato...
Sentidos aguçados...
Sentidos despertados...
Arte que me invade, me enlouquece, me arrasta, me liberta...
Me faça qualquer coisa...
Me faça arte...
Arte de ser alguma coisa...
Vivo... e me faço viva em você...
Porque sou parte...
Parte do mundo... parte da arte.