Seus olhos

Suas doces palavras alfinetavam minha cabeça. Eu tentava pensar em uma coisa, mas elas me conduziam para outro lugar.
Fui transportado para lembranças que já estavam esquecidas. Momentos que haviam se apagado da minha memória.
O sorriso em seu rosto era como uma apunhalada nas costas, contrariando tudo o que eu estava tentando sentir. Ele dava forças às suas palavras, trazendo-me conforto e serenidade.
Sua pequena mão segurava a minha com firmeza e segurança. Era eu quem precisava do conforto. Como podia uma pequena criança trazer tanta sabedoria e tranqüilidade? Como poderia eu, comportar-me como se fosse indefeso diante dela?
Suas palavras conduziam-me ao lugar mais tranqüilo da face da terra, dizendo-me que tudo ia ficar bem. Aquele seu sorriso confirmava o que dizia, era impossível não acreditar.
Mas seus olhos, havia algo em seus olhos.
Somente quando eles se fecharam, quando a força de sua mão ao redor da minha diminuiu e o sopro de vida deu o último suspiro em seu peito, é que percebi que você mentia. Percebi que as coisas não ficariam bem.
Foi quando perdi minha filha que eu descobri que a boca e o corpo podem mentir, mas os olhos não.

A mentira

Já cansei de ouvir que mentira tem perna curta. O maior defeito da mentira não está no tamanho das pernas, mas no seu poder. Poder de bomba atômica. Matematicamente, se colecionamos dez momentos bons e, no final, um deles – só um deles – foi mentira, todos os outros são subtraídos a zero. Agora deixe os números de lado. Quanto a mim, você destruiu a minha Hiroshima.

Variações de uma mesma inveja




















A Louca

Passa, rasteira, corrompida
Diante de toda felicidade, o corpo quer sair de uma oração doentia
Nas sextas, sai a louca do espelho
Transborda para o bando seguir livre
Hoje, ninguém nos tira
Os símbolos das praças que nunca fomos
Edifique a festa em um maldito sonho inacabado
Cada pé descalço, capricha em sua fantasia
Invejo o suor de todo o conflito.

A Dama

Quando a dama se esquece do luto,
Faz morada em antigos conventos
Recalques precedidos de glória
Evoca sentidos desejando a morte do outro lado da rua
Óbitos em sono e prece
A dama permanece nas tintas
Pousa em tecido da carne que se ergue
Forma calor moribundo impregnado em ebulições
O feto mexe morto em seu ventre
Em seus olhos cansados ela esquece de abençoar a língua
Prova-se. Está viva. Constata por baixo de cada cratera uma ferida
A intensidade da dama é também a sua morte
Invejo o sulco retirado das tragédias.

A Santa

Só tenho um grão que me esmaga
Espero quieta, nada que eu diga findará esta falta de calor e abrigo
Meu leite empedra e ainda nem sou mãe
Do outro lado, aceno ao ventre seco
A morada do corpo ainda é a placenta doente
Sou fraca,e minha nobreza não sabe sorrir
Invejo os óvulos gigantes que enrolam-se entre si.

A Dissimulada

A cama acalenta insones e insanos
No barro inútil é estreita e passa
Não respeita o corpo
Arromba o que arrancam dela todos os dias
Este sexo confessa todos os crimes
Carrega no colo toda marginalidade
Dissimulada, saboreia os conflitos de outras páginas
Deita-se com seus próprios personagens
Sua fome é sua platéia
Invejo os orgasmos naturais.


A Humana

Identidade. Tudo ali, na prosa infértil
Percorre em segredos engolidos toda a frustração
Sua embriaguez é proposital
É de Deus e do mundo
Foi jogada a loucura de uma poesia estagnada
Enquanto indivíduo, é pura oscilação
Seguimento inteiro e disperso
Dentro de toda inveja não há espaço pra cura.

Por ora, Inveja.


Do Sol que te ilumina e te aquece...

Do céu que cobre o azul do teu dia...

Das estrelas que têm a sorte do brilho dos teus olhos...

Da Lua que te fascina em todas suas formas...

Do oxigênio que percorre o teu sangue...

Da água que molha e lava teu corpo...

Do espelho que te reflete...

Do etílico que te enlouquece...

De tudo que te mata a sede...

De tudo que te mata a fome...

De tudo que te tem por perto...

De tudo que te queima por dentro...

Do tempo que te conta...

De tudo que te faz viver...

Tudo o que quero...

Te ter inteiro, te ter completo...

Por ora, só há inveja...

Inveja de tudo que te tem...

De tudo que te toma...

De tudo que te cerca...

Inveja...


Dono da razão

O que é que aquele velho sabe? Ele sempre está se metendo na minha vida. Risc, risc. Já sou um homem maduro, tenho consciência daquilo que estou fazendo e das decisões que estou tomando. Risc, risc. Trabalhei duro para conquistar tudo que tenho e o suor foi meu. Eu decido o que vou fazer. Risc, risc.
Eu vou seguir em frente com meus acordos e meus negócios, tenho certeza que ganharei mais dinheiro do que já tenho e aí jogarei, com orgulho, essa verdade na cara daquele velho. Risc, risc. Aquele encardido só sabe palpitar. Odeio pessoas intrometidas. Risc, risc.
Perdi minha família e meus herdeiros, não tenho que me preocupar com mais nada além de mim. Se eu corro risco, o problema é meu! Risc, risc. Sempre me deito com a consciência tranqüila, mas aquela maldita voz permanece em meus ouvidos. Risc, risc. E pra piorar, aquele velho babão não consegue nem mesmo falar direito. Afinal, quantos dentes sobraram na sua boca? Risc, risc.
O tempo passou e meus negócios não prosperaram como eu imaginei. Não tem coisa pior nesse mundo do que ouvir aquele idiota dizer: “Eu falei!”. Risc, risc. O ancião tinha razão, mas foi pura sorte. As chances eram 50-50. Apostei que daria certo, e o babaca fez questão de me contrariar dizendo que não daria. Risc, risc.
A única propriedade que me restou foi a velha fazenda que pertenceu a ele. Na verdade, acho que foi ele quem construiu essa espelunca que está a ponto de despencar. Risc, risc. Eu nunca odiei tanto uma pessoa como odeio esse velho intrometido. Se existe alguma coisa no mundo que possa trazer azar para alguém, essa coisa é a múmia ambulante que está no quarto ao lado. Risc, risc.
Estou aqui pensando... Sou tão azarado que esse velho, mesmo estando com um pé na cova, vai viver mais do que eu. Risc, risc. Eu poderia mudar isso, sei disso. Mas eu aposto o coração que bate no meu peito que se eu falasse que viveria menos do que ele, o maldito se jogaria do penhasco apenas para ter a razão, como sempre teve. Risc, risc. Ele faria isso e gritaria, “você se enganou de novo!”. Eu não suportaria.
Então, dessa vez eu não deixarei que ele seja o dono da razão. Risc, risc. Pelo menos uma vez em minha vida vou tomar uma decisão que ele não terá como me contrariar e ainda por cima sair com razão. Risc, risc. Hoje, esse velho otário vai ver só. Quem ele pensa que é? Risc, risc. O que é que ele pensa que sabe? Ele não sabe de nada!
Ele pode ser mais experiente, ele pode ter vivido mais tempo do que eu. Pode até mesmo já ter passado por tudo que eu passei e ter aprendido com isso. Risc, risc. Mas isso não lhe dá o direito de palpitar e contrariar minhas decisões. Ainda por cima, teima em estar certo quando me repreende. Risc, risc. Hoje eu acabo com ele.
Passo o dedo pela lâmina. Risc, risc. Sim, está extremamente afiada. Risc, risc. Corto aquela maldita língua junto com suas sempre-certas-decisões. Risc, risc. Aproximo dele e não faço a menor questão em me esconder, a decisão é minha e ele não pode me contrariar. Risc, risc. Hoje, sou eu que tenho a razão. Ele vai morrer.
- Você vai me matar – ele afirmou com a voz calma e cuspida entre as gengivas banguelas.
Aquilo me congelou, paralisou meu sangue e me deixou desconcertado. Maldição! Que velho filho da puta! Eu não posso deixá-lo morrer tendo razão. Risc, risc. Confiro a lâmina e o fio está mais afiado do que nunca. Risc, risc. Penso por alguns instantes e, por fim, dou uma gargalhada. Risc, risc. Os olhos castigados pela catarata se arregalam ao ver a lâmina passando pelo pescoço em um movimento rápido e decidido.
Minha visão começou a ficar turva, senti o sangue escorrendo pelo extenso corte que fiz; o ar não chegou mais em meus pulmões. Quase não senti dor, pelo contrário, senti a melhor sensação da minha vida. Dessa vez ele não teve razão. Hoje, eu morri com a razão!

Planeta Anão



[Parte 1]

Tendo nascido na era auto-ajuda, Marina se sentia enjoada perto daquele tipo de pessoa que sempre tinha uma frase feita na ponta da língua para levantar o astral nos momentos de tristeza. A tristeza é boa, ela pensava. Se nunca tivesse ficado triste, não saberia o que é alegria. Se nunca tivesse tido uma foda ruim não saberia até hoje o que é uma foda boa. Marina agradecia em segredo a cada foda ruim que teve. Fazia isso mentalmente e baixinho enquanto esperava o ônibus chegar.

[Parte 2]
E se existisse uma resposta astrológica para tudo? Marina odiava astrologia. Era capricorniana e soltava vômitos múltiplos quando diziam que capricornianos são sérios e responsáveis. Será que só ela percebia que data é uma coisa inventada da mesma forma que o Papai Noel e o coelhinho da Páscoa? Como separar pessoas pela data do nascimento e dizer que fulano é legal porque nasceu dia 20 de abril e Mariquinha é nojenta porque não nasceu algumas horas antes, quando a lua ainda era cheia e a ursa maior ia de encontro às três marias? Marina pensava nas besteiras astrológicas que já tinha ouvido ali parada olhando para aquele babaca que queria explicar o fim do namoro dela culpando seu ascendente. Rafael – o nome do babaca.


*Trechos do romance "Planeta Anão"

Já não estou





















Indefinida ida
Instigante e confusa
Instantaneamente expelido
A incapacidade dos músculos conduz a expectativas irreais
Programo-me para não amar
Dá-me rotas, pois estou doente de razão
Amei um homem humano
Corro em pedaços enjoados do que restou
A sensação de fuga é desconfortável
Eu já não estou
Permeio a penúltima curva
Sigo sem saída
Nós dois numa queda
Ele não entende minha língua
Além de qualquer caminho há volta
Preparo o imprevisível
Todas as promessas derramadas
Que não me faltem ruas, pois preciso preparar os ânimos...
Amanheci sem conhecer o dia
Encontro-me em despedida
O que ainda me prende?
Nunca me preparo...
Meu amor sobrepõe minha astúcia
Tua bondade é tua loucura
Vou sugar bocas vazias resfriando nossas dores
Segues...
Agora, sei que isso vai passar
Dona de sonoras saudades
Adeus. Me encontra.

Meu Adeus sem o Teu (Te reencontro)


Quando o Sol brilhante imponente fazer nascer o dia e uma nuvem branca pairar a sombra para o seu refrescar...Saiba que meu sopro suave provocou o vento que levou a nuvem até você...


Quando a chuva suave te molhar a face e resfrescar o sorriso...
Podem ser minhas lágrimas tentando de alguma forma te tocar...
Se amanhã nascer uma criança, um sonho ou uma flor...
Estarei presente também no olhar de encanto, no teu pranto e no teu amor.
Se não estou aqui, é porque precisava partir para te amparar.
Eu cuido do teu sono...Seguro tuas mãos... E estamos juntos.
Quando o teu peito sentir o queimor da saudade,
Ou teus olhos chorarem a dor do meu adeus...
Saiba que em mim reina o desejo de te fazer sorrir...
E por isso, breve farei com que uma lembrança doce te faça suspirar.
Não pude ficar... Precisei partir...
Sem poder te amar tudo o que havia para amar.
Meu amor é maior que minha vida.
Não coube nos meus dias.
Precisava de mais espaço.
Guardo todo amor para nosso reencontro.
Quando nossas almas se entrelaçarão embaladas pelo som da eternidade.
Enquanto não nos vemos,
Enquanto não nos temos...
Não julgue, não condene, não conclue.
Também vivi momentos de dor que quase me fizeram perder a fé.
Mas existem flores azuis aqui no jardim.
Prepare-se. Não te levo. Mas te espero.
Há um laço que estreita nossos planos.
Seja na sorte ou seja na morte.
Vamos nos reencontrar.
Não há vida ou morte que me impeçam de te amar.

Até o fim

Eu não consigo descrever a dor que senti e que ainda sinto. O sofrimento me fez abrir os olhos para diversas coisas das quais antes eu não podia ver. Hoje sou uma nova pessoa, com novos pensamentos. Lamento não poder me tornar uma velha pessoa.

Eu olho para meu reflexo e não me reconheço. Meu cabelo mudou, meu rosto mudou e minha voz mudou completamente – isso quando consigo ouvi-la. Mas fico feliz por ter mudado minha forma de pensar e de ver as coisas. Meus amigos sempre me trazem sorrisos, esperança e conforto. Neles encontro a força que, algumas vezes, falta em mim. É neles que vejo um motivo para continuar batalhando, continuar lutando. Continuar vivendo.

Vejo no rosto dos meus pais o orgulho de ter suportado todas as dores pelas quais eu passei até hoje. Vejo em seus sorrisos a gratidão e vejo em suas lágrimas a saudade que já incomoda. Mas eu ainda não parti, ainda não. Mesmo tendo que re-aprender a respirar... eu ainda estou aqui.

As luzes já perturbam os meus olhos, mas continuo sendo abençoado pelos sorrisos, pelos gestos e toques. Não me passa pela cabeça querer desistir, eu já cheguei até aqui e não irei olhar para trás. Seria muito fácil deixar tudo de lado, mas eu escolhi fechar os meus olhos e respirar. Inspirar, expirar, viver, até o final da batalha. Até o final.

Não lhes digo que estou satisfeito, mas estou contente por ter chegado até aqui. Eu sei que seria fácil desistir, mas eu não farei isso. Chegarei até o final e até lá, irei respirar. Alimentando-me dos sorrisos eu seguirei em frente e não irei mais olhar meu reflexo. Aquele não sou eu.

Você pode se aproximar e chorar, lamentar o que está acontecendo comigo, mas não precisa se comover, eu estou bem, estou vivo. Inspirando, expirando... respirando. Venha até mim, dê-me um abraço, mostre-me um sorriso e lhe mostrarei que isso é o bastante para que eu continue até o final. Eu não deixarei de acreditar, não deixarei de lutar até que a luz se torne escuridão.

Aproxime-se, não consigo falar tão alto como antes. É difícil falar quando se faz um tremendo esforço para respirar. Não tema, o meu mal não irá alcança-lo; irei leva-lo comigo, até o fim. Inspirando e expirando... até o fim, respirando.

Estou definhando, a dor me tira lágrimas e mesmo cercado de sorrisos eu sinto muita dificuldade para manter a força de semanas atrás. Continuo lutando, e não deixarei de respirar. Não queira passar pelo que estou passando, não queira amenizar meu sofrimento com lágrimas e não queira me acompanhar quando eu deixar de inspirar, ou expirar.

Fecho os olhos, poupo energias e concentro a força para manter minha respiração e para me manter consciente. Não desistirei; vou persistir. Hoje sou uma nova pessoa, com novos pensamentos. Lamento não poder me tornar uma velha pessoa. Foi passando por isso que eu comecei a acreditar; foi só agora, que comecei a enxergar. Só hoje sei que cheguei aqui porque lutei. E eu lutei.

Beije minha testa, deite-se ao redor dos meus braços, dê-me alguns sorrisos. Alimente-me com essa fonte que irá prolongar a minha força. Não deixarei as luzes se apagarem, eu irei continuar vivo. Segure minha mão, fique comigo, pois continuarei aqui. Não direi adeus.

Inspirando, expirando. Respirando, até o fim... Até o fim.

São Paulo


- Mas por quê São Paulo?

- Eles precisam de mim lá. É uma ótima oportunidade, não posso perder. – Disse ele se levantando da cama e olhando para o chão desesperadamente atrás da camisa. Ela aponta para o pedaço de pano branco jogado a centímetros de distância.

- São Paulo é longe de mim. – Disse ela de cabeça baixa num tom infantil.

Depois de vestidos, ninguém fala mais palavra alguma. Depois de tanta discussão, o silêncio era a escolha mais sensata. Há pessoas que negam a sensatez. João não era desses. Racional, matemático, pessoa pé no chão, normal, João era como todo mundo. Marina era vegetariana e tinha tatuado no braço uma clave de Sol. Ela era só coração e presente, mas egocêntrica demais para confessar que sentiria falta.

- O táxi chegou. – Ela disse pegando uma das malas no chão da sala. Ele tirou da mão dela e carregou tudo sozinho para o táxi.

O caro amarelo parado na frente do prédio, esperando João embora. E Marina que não teve coragem de olhar para ele no elevador. No táxi, a única palavra: “Aeroporto”.

Enquanto ele verificava documentos, passagem, procurava seu portão de embarque e se perguntava insistentemente se não esquecia nada, Marina sentada no banco via as pessoas passarem. Apressadas, como sempre. Fazendo planos. E a única coisa que Marina planejou até agora era chegar em casa e tomar banho. Talvez depois bebesse café e colocasse o cd do Chico para tocar. Talvez chorasse ao olhar a cama vazia e o lençol ainda amarrotado. Mas isso ela não planejava. Marina era do tipo de pessoa que não planeja, mas tinha guardada a imagem deles dois sentados no sofá com os cabelos brancos com um álbum de fotografias nas mãos. Rindo juntos. Mas isso era um plano?

- Meu vôo é daqui a quinze minutos. – Disse ele. E Marina distraída olhava um menino de cabelos loiros sentado ao lado com sua mãe tentando abrir com os dentes um pacote de biscoitos. – Escutou, Marina? Eu vou embora daqui a quinze minutos.

- E quando você volta?

- Eu não sei se eu volto, Marina. Eu já te expliquei isso.

Ela olhou para o painel com o horário dos vôos. Lembrou sem querer da festa em que se conheceram. Ela tinha acabado de voltar da Itália. Ele estava bebendo cerveja. E pensar que esse tipo de coisa começa só com uma troca de sorrisos. Um gesto tão simples. Quando olhou para ele de novo, João já estava com as malas nos braços. E com água nos olhos ela insistiu:

- Mas por quê São Paulo?

Ele não respondeu. Seguiu em direção ao portão de embarque e ela foi atrás correndo meio desengonçada, com os braços cruzados apertados, olhando para o chão. Ele beijou sua testa e disse:

- Vou sentir saudade. – Mas ela não disse mais nada. Se virou e foi andando embora.

Olhando ela de costas indo na direção contrária, João disse para si: Ela que vai me deixar, ela quer ser aquela que vai dar às costas. Olhou depois para a passagem nas mãos: São Paulo. Ele lembrou pela primeira vez daquela troca de sorrisos. Da cerveja e da menina de cabelo preto sentada no sofá na festa na casa do Fábio. Lembrou de ter sentado do seu lado e ter perguntado:

- Tudo bem?

- A Itália é linda. Vou morar lá um dia. – E lembrou de ter escutado isso milhões de vezes nesses dois meses.

- Marina! – Ela se virou – Eu fico.

- Não, João. Você tem que ir, estão te esperando em São Paulo.

- Então vai comigo, Marina. – Disse ele em um tom quase de choro, que soa a desespero engasgado.

- Quê? – Ela franziu a testa.

- Vai comigo e a gente casa.

- São Paulo é pequena pra mim, João. Achei que você já soubesse disso.

E então ela se virou e foi sim aquela a dar as costas. E não teve que ver o outro partindo. Marina deixou João e seguiu sem procurar ser entendida.

Questiono


Começo ou termino? Escrevo ou arrumo as malas? Resposta: - Penso!!! Sempre penso!!!

Há quinze bilhões de anos, mais ou menos, “Big Bang” (barulho) e, toda energia concentrada e densa sofreu uma grande explosão e assim criou-se o Universo, dizem os cientistas.

Já Deus, em sete dias, criou céus, terra, luz, trevas, águas, árvores frutíferas, sementes, animais (a serpente, por exemplo), Sol e Lua para separar o dia e a noite e ainda criou o homem (Adão). Depois de tanto trabalho, descansou no sétimo dia, conta Moisés no primeiro livro da Bíblia, Gênesis, escrito, segundo registros, em 1410 a.C. (antes de Cristo).

Quanto à criação do homem, a ciência diz que somos uma evolução do macaco. Mas quem criou o macaco? Se, por acaso, alguém responde que foi Deus, quem criou Deus?
A energia concentrada e densa que sofreu a explosão há quinze bilhões de anos dando origem ao Universo, quem criou? O que era o tudo antes de ser... tudo?
Quem contou para Moisés que Deus criou o Universo? Claro que é uma bela narrativa a Criação do universo. Prefiro isto à teoria do Big Bang. Muito mais romântica. Aliás, quem ensinou Moisés a escrever assim?

“Adão e Eva”, “Os Sete Pecados Capitais”, “A Arca de Noé”, entre tantas outras histórias da Bíblia, seja novo ou antigo testamento, são histórias fascinantes! E se não fosse pela linguagem rebuscada, diria que são histórias pós-modernas! A tentação, a traição, o descontrole sobre os instintos, as tragédias naturais, luxúria, avareza, inveja, gula, ira e até mesmo a condenação de saber a diferença entre o bem e o mal, são temas mais que atuais, apesar de terem sido tema do primeiro livro de toda a história da humanidade. Impressionante como os “profetas”, assim chamados todos os escritores da Bíblia, são contemporâneos à nossa realidade!

Os dilúvios, por exemplo, não são mais privilégios só de Noé. É só ler ou ver o noticiário de hoje. A diferença, talvez, pode ser a Arca. Ou melhor, a construção dela. Porque, dificilmente encontraríamos nos dias atuais um homem como Noé. Os heróis de hoje demandam de pouca fé. São escassos!!! Poucos e raros, geralmente são tão ocupados em matar a fome que não resta tempo para pensar na falta dos sentimentos que rompem os laços do mundo. Tem estômago gritando mais alto que a dor de quem perdeu a fé. Assim fica difícil construir uma arca a espera de um dilúvio que nem sabe se virá.

Talvez os chineses!!! Mas só porque são prevenidos. Eles constroem abrigos para se safarem dos terremotos. Mas a orientação vem da ciência e não de previsões místicas. Noé não contava com a previsão do tempo e, ainda assim, construiu sua arca. Será esta grande diferença dos tempos? A decadência dos sentimentos?

Sobram teorias e falta fé. Fé em qualquer coisa que nos é abstrato. Não digo fé em Deus. Digo fé em (repito), “qualquer coisa que seja abstrato”: amor, respeito, generosidade, companheirismo, amizade... E a própria fé! É preciso ter fé na nossa fé. “Minha fé em pó, solúvel, minha fé em pó!” É preciso acreditar em nós e nos nossos sentimentos que a ciência não explica, mas, mudam o mundo. Mesmo que seja o seu mundo. Mesmo que seja o meu. Mesmo que seja um mundo só. Mas os sentimentos mudam o mundo.
E não sou arrogante a ponto de achar que esta é a grande solução para o Universo. Eu ainda nem sei como ele foi criado!!! Então, como arriscar uma solução?


Big Bang, Criação Divina, Antigo e Novo Testamento, antes e depois de Cristo? Qual o princípio de tudo? Será o fim? Como, se ainda nem sabemos do começo?

É... Vou viajar amanhã. Estou fazendo as malas. E acabo de chegar à conclusão de que preciso de um baú sem fundo para levar tantos questionamentos sem respostas.
Deixo nestas linhas mal escritas um pouco do barulho que tem minha cabeça.


Eu era uma criança

Eu era uma criança. Olhava para o céu, e ingênuo me perguntava quão grande ele poderia ser. Eu observava o mundo e não enxergava a doença que existia nele. Eu via o por do sol, e nele eu não via maldade; apenas um dia que partia, para dar lugar à noite. Quantas vezes eu não fitei o céu e me perguntei: Quantas estrelas devem existir? Não sei como, mesmo temendo o escuro, eu aprendi a amar a noite. Venha noite e devore o dia que está acabando. Derrame seu véu e coloque um sorriso no rosto dos casais apaixonados.

Mas eu não sabia disso tudo. Eu era uma criança. E naquela época, eu me lembro de assistir desenhos, de ver coisas engraçadas e educativas na tv. Eu me lembro de ver o céu escurecer brincando de queimada com meus amigos. Ah, quantas vezes eu não fui atingido, e neguei até que todos realmente acreditassem em mim? Eu não tinha maldade nos olhos, e por isso, não temia ao cruzar com um estranho. Eu era feliz, eu era uma criança.

As coisas não mudaram ao redor de mim. A violência não aumentou, as mortes continuaram, e o sol continua a se deitar no mesmo horizonte que antes. Continua tão belo quanto antes. E a noite? Mesmo depois de tantos anos, ela continua linda, e às vezes ainda me faz perguntar... 'Quantas estrelas existem no céu?'. O vento sopra, e dessa vez eu sinto o cheiro no ar, um cheiro que não sentia quando eu era uma criança, o cheiro do perigo: Um estranho se aproxima, seria ele um bandido, ou um seqüestrador? Ah, como eu queria voltar para aquele tempo, onde meus olhos não enxergavam essas coisas. Voltar no tempo onde eu ainda era uma criança.

As crianças de hoje não mais brincam de queimada. Será que elas ao menos sabem que brincadeira é essa? Hoje elas jogam videogames, conversam pela internet, e o papai Noel... Bom, o doce e gentil velhinho não mais traz carrinhos e bonecas. Hoje ele trás celulares.
Imagino qual será a programação que as crianças mais gostam na TV nos dias de hoje... Aposto que são os programas de palco que passam aos domingo. Ou seriam aqueles programas que ficam falando sobre a vida dos outros? Ah, como eu queria voltar a assistir desenhos. Meus olhos não mais encontram crianças como antes. Meus olhos não encontram a inocência que tive. Ou será que ainda tenho?

Eu era uma criança. Eu olhava para o céu, e ingênuo eu afirmava: vou ensinar o meu filho a andar de patins. Eu era uma criança e afirmava: vou mostrar os desenhos do pica pau para meu filho. Eu era uma criança e afirmava: vou correr com meu filho pela grama do parque e cobri-lo de carinho. Mas, hoje eu não sou uma criança. Olho para o céu e não consigo ver as estrelas como antigamente. Tento ficar em silêncio, mas ouço gritos, choros, lamentações... O que aconteceu?

Eu era uma criança. E naquela época, não enxergava os problemas. Ou será que eles não existiam? Hoje eu olho para o céu e rezo. Rezo para que um dia meus filhos olhem para o céu. Rezo para que eles possam brincar pelas ruas sem sentir aquele cheiro da maldade. Rezo para que, ao contrário de mim, a esperança não perca a força com o tempo. Pois o tempo me mostrou que, o por do sol vai continuar lindo como antes, e para que isso aconteça, nós não podemos deixar que os nossos olhos mudem.

Estou pensando em todas as coisas que fiz, e não me arrependo de nada. Só me arrependo de ter deixado uma parte da criança que existe em mim, envelhecer. Mas sei que continuarei olhando o céu, e com certeza voltarei a ver as estrelas. Elas sempre estiveram lá.

Eu era uma criança e olhava o céu, e naquela época, não fazia idéia de que hoje eu estaria na frente de um computador lamentando da inocência que eu vivi... Mas, que graças a Deus, eu não esqueci!

Um novo continente


Eu percebi que o aquecimento global, de uma maneira ou de outra, afeta a minha vida. Não de uma forma tão óbvia quanto a mosca que pousou na minha sopa ou a minha tv quebrada bem na hora do horário nobre. Mas me dei conta de que os ursos morrendo afogados no Pólo Norte afetam a minha vida. E eu ainda não estou fazendo um manifesto.

Eu descobri que, quando acordo sorrindo para o meu jardim, uma brisa leve passa e espalha sorrisos nos rostos das folhas. Porque a pétala da rosa é uma extensão de mim mesma. E eu sou vista do espaço pelo cacto que plantei no canteiro da frente.

Aprendi que uma panela de brigadeiro para calar o chororô é, no mínimo, gostoso. Mas isso eu aprendi levando muito na cara. Aprendi a ver a minha cara em outras caras. Aprendi uma técnica de caretas.

É que cada vez que eu danço, alguém abaixa uma arma. E agora sei que fazer alguém sorrir já um manifesto de paz.

Descobri que dentro de mim moram o vermelho e o azul e que com eles eu posso colorir todo o bege do mundo. E consegui seguir em frente sem dar ouvidos a pessoas de cor mostarda. Descobri como manter a vida cor-de-rosa.

Danço

Descompassada.
Fora do ritmo.
Desengonçada.

Pés, pernas, corpo e alma...
Embalados pelo som leviano da solidão.

Não há público.
Não há palco.
Só há ilusão.

Um dia já foi estrela.
Com saudades de si mesma, fechou o livro que lia e pegou o caderno para escrever o seu. Esboçou suas primeiras linhas de recordação:

No palco solitário de tábuas corridas, já um tanto gastas e velhas, a cortina vermelha mostrava as pontas dos pés de quem ali, no mesmo lugar, escreveu histórias bordadas pelo mais doce calor de aplausos e admiração. Eram meus pés.

A cortina cobria meu rosto vermelho que chorava a dor do meu último espetáculo. Foram anos dançando no mesmo lugar. E a cada dia, a cada espetáculo, a cada dança e a cada passo, me vinha uma sensação diferente.

Me alimentava dos olhos brilhantes e entusiasmados que assistiam aos meus movimentos, às vezes lento, às vezes sereno e sempre agressivo na forma de conduzir os saltos, que era a maneira que gostaria de conduzir minha vida.

A dança, quando cheia de sentimento e entrega, provoca sonhos muito além da imaginação. As almas expectadoras, nem sempre calmas, esperam pelo ápice da fartura desta mistura de movimentos e sons. Aguardam pela satisfação entusiasmada de... "sou mais que um corpo sem estação".

Porque, na verdade, todos nós desejamos nos sentir mais do que somos. Todos nós desejamos sentir mais do que sentimos. E por fim, somos menos do que tudo que poderíamos ser.

Me levanto e, ainda no palco cheio de mim... cheio das minhas lembranças... Saio a andar e não escondo mais meu rosto vermelho. Abro as cortinas e meus olhos ainda choram. Lamento a falta de público. Porque, de tudo que apresentei ali, para tudo que senti havia alguém a registrar.

É difícil não ter quem registre uma despedida.
Não há ninguém para ver minha solidão. Não ouço aplausos. Não tenho o brilho dos olhos de admiração. Já não há mais público.

De tudo, tenho as boas lembranças e, ainda, a dança. Mesmo descompassada... mesmo desajeitada... Sem ensaios prévios, me entrego ao compasso do meu coração.

Não desço do palco. Não saio de cena.
Danço enquanto restar a última gota da minha emoção.