Tua Música


Eu, instrumento

Teu amor

Em acordes

Teus dedos delicados

Corda em corda

Deságuo em dança

Me toca

Sonoridade


Estéril rádio estação sem-luz
O teu suor é surdo
E eu já sou feita de espasmos melódicos
Da folha: cantiga
Assobio borboleta, grande festa de girassóis quadrados
Caindo a desaguar sonoridades
Desta música sombra universal

-Parece que se você ouve o canto, é inevitável ir parar no fundo-

Uma marchinha de carnaval: carnavalizando o sumo da vida
Grite. Você não vai ouvir mais nada
Impregnado bloco de frevos das células ciliadas
Dedilhando os coros eufóricos
As partículas propagam quando o canto é por chuvas dançar
A valsa é humana

Preciso de sonoridade
Esta ânsia que troca músicas e tons
Saberei cantarolar descompassos em dó maior
Há de nascer imune quem não souber ouvir

Dos braços que embalam o bloco, em que batida se escuta o tom exato?
Musicalize o óbvio
Corpo-coletivo colhe ativo
Quando ouço aquele tom, os poros se arrepiam.
E canto das suburbanas bêbadas razões insanas

Vendo o ritmo-meu pagamento é dívida
Grandes olhos quando a canção é do povo
O coro sai das casas, leves, pesados e desequilibrados.
Coloquei para fora uma voz grave, queria ter soltado Buarque de sua prisão
Nestes tons- inúmeras possibilidades:
As enzimas criativas do amanhã.

Olha a ventaniaaaa!

“Tomba pra cá,
tomba para lá.
Fala com pessoas que,
nem sempre estão lá.

Um olho pra esquerda,
o outro pra frente.
Sempre trazendo um sorriso,
mas quase sempre sem dentes.

Arrota e peida.
Coça o saco e xinga.
Se fosse uma planta, eu diria:
“Xi, essa não vinga!“

Conversa com todos,
Não tem vergonha de nada.
Quando não está dormindo,
Está fazendo alguém dar risada.

Alguns sentem pena,
outros fingem não ver.
Mas todos queriam ser pinguços,
Para cair de tanto beber...”

HomoLabirintus


































Você sabe que está aqui por um tempo limitado.

Mas o trabalho, o relatório de quinta, o curso de terça a noite, o passeio com os cachorros aos sábados e a empada de domingo te fazem esquecer de tudo quanto fosse existencial. Daí, pra você só existe o quanto você está atrasado para a prova da faculdade e como aquela calça que você ama está justa nos quadris.
Assim, sucessivamente amanhã só existirá a conta de telefone que veio um absurdo, diga-se de passagem com ligações para o Marrocos...- Marrocos?
Agora, você está sem a calça que ama e com o iminente pepino de processar a Telefonia.Então vai dormir "pê da vida".
Novo dia, novos pensamentos: no trabalho você hoje produziu bem, tirou ótima nota naquela prova da faculdade, agora está tão bem que até a calça entrou numa boa. Ficou feliz e até desistiu de processar a Telefonia.
Amanhã será outro dia...e depois mais outro...
A cada dia os que te cercam, você mesmo e a vida vão se encarregar de "fluir" rumo a novos acontecimentos. Por isso, terão dias em que ver um moleque cheirando cola na AV Rio Branco vai cortar seu coração, e outros, que nem mesmo um orfanato inteiro rogando ajuda vai fazê-la diminuir os passos rumo ao ponto de ônibus.
Dias atrás e outros mais adiante, você irá refletir o quanto o mundo é injusto e desigual e que as pessoas precisam fazer algo para ajudar...é aí que você planeja virar monge e sumir de toda essa "coisa" louca, mas depois você descobre que ama esfirra e MC lanche feliz juntamente com todo "conforto".

De repente, você leva um susto...perde um amigo, um parente ou um cônjugue. Isso acaba com sua vida. Mais do que nunca,você está certo de que não quererá mais viver.
Decide começar por parar de comer, no entanto, quatro horas depois lembra de sua gastrite e come na tentativa de aliviar o "incômodo". Mas agora, com certeza você irá olhar a vida com "novos olhos", irá valorizá-la muito mais, aproveitando cada momento com cada um a sua volta,sim! Até as formigas serão exaltadas e respeitadas em sua nova fase!
Você jura que teria feito isso se dois dias depois aquele mal educado do porteiro a tivesse cumprimentado... talvez assim você o odiaria um pouco menos.
Por fim, você reflete o curso de sua vida: O quanto ela passou depressa e você ainda não conseguiu se purificar.
Não virou monge, não dedicou-se aos pobres, não fez voto de castidade, não fez nada!
Nem as orações infiel que é consegue concluir, pois dorme antes de cada amém.
No auge do desespero você clama: - Senhor o que farei?
Nenhum som é ouvido...
Na Tv ainda ligada, Marta Suplicy aconselha: Relaxa e goza...

Você ri...
A vida é doida mesmo...quem diria que ao invés de Buda, Padre Marcelo Rossi ou Oxalá a luz viria de Marta.

Saindo do poço


Andei pensando na culpa, e na desculpa.
Pensando nas dores e nos desamores...
Me culpo...
Por pensar e acreditar que é você minha salvação.

Estou no fundo do poço,
Olho para cima e vejo mãos...
Querem me socorrer...
Mas entre tantas, só reconheço a sua.
São só as suas que eu quero ver.
Mas você vira as costas.
Quer ficar só.
Sim, se preocupa comigo ali no poço...
Mas nada pode fazer.
Suas mãos não querem alcançar as minhas.

Não quer laços ou "nós".
Enquanto as minhas, só pretendem alcançar as suas...
E eu não me canso.
E de cair tanto,
Minhas feridas já não doem mais.
E por tanto esperar,
As outras mãos estendidas outrora,
Se cansaram, foram embora.
E não há mais em quem me segurar.
Agora sou eu.
Eu e minha solidão no fundo do poço.

Eu e minhas feridas ainda abertas,
E já tão anestesiadas pela própria dor.
Eu e minhas garras,
Que saem de não sei onde...
Devem sair das entranhas da saudade.
Ou da frieza do abandono.
E eu escalo o poço...
Subo, subo e subo...
Saio de lá...
E me ponho de pé.

E a vontade de viver e ver o sol é tantaque não reconheço o cansaço.
Estou salva, agora.

Com unhas desfeitas, sem gloss, sem rímel.
Mas estou de pé e meus olhos brilham...

Encontrei algo no fundo do poço.
E trouxe comigo para ver o sol.
Para estar comigo sem se ocultar:
A força que antes eu pensava vir de você.
Não me avisou que ela estava o tempo todo em mim.

Logo você que sempre soube de tudo.
Passei tanto tempo no escuro e no frio.
Que desfiz as amarras dos meus sonhos.
Enquanto nada tinha a fazer senão sentir o frio...
E nada ver no escuro, a não ser a sua imagem que eu projetava como luz.

Os sonhos agora podem ultrapassar as barreiras que cercavam você e eu.
Destruí as grades que prendiam minha força,
Meus desejos e minha felicidade.

E o que antes eu pensava encontrar só em você,
Encontro agora nas minhas unhas sujas,
Nos meus cabelos desfeitos, e até nas dores musculares causadas no escalar do poço.

Sem as suas mãos, confirmei que eu consigo sozinha.
E afirmei que elas não mais estão dispostas às minhas.
E ainda assim,
Seguirei sorrindo, feliz...

Disposta a encontrar o que eu denominei felicidade!

Grades na janela

É engraçado como o ser humano é uma criatura burra. Quantas vezes passamos o dia inteiro sem dar um único sorriso? Quantas vezes nos deitamos sem dizer para a pessoa que divide a cama conosco que nós a amamos? Isso parece um clichê. Sim, eu me lembro. É um clichê. Clichê daqueles milhares de e-mails que recebi. Todos traziam uma maldita apresentação em power point com imagens de crianças, animais, cenários e todas as demais coisas agradáveis que podem tocar nosso coração. Alguns eram acompanhados de uma bonita melodia, mas todos vinham com dizeres apelativos. Sorria! Diga bom dia e obrigado! Não deixe de dizer que sente saudades de alguém! Diga que ama seus filhos e seus pais! Enfim, um clichê na vida de qualquer pessoa que possui um e-mail.

Mas sabe, às vezes deixamos algumas coisas passarem e... nós não deveríamos deixar! Pelo menos, não tão rápido como às vezes passam. Mas nós somos burros, certo? Somos aquela raça que domina o planeta, mas que é incapaz de fazer a coisa certa – na maior parte do tempo.

É exatamente aquilo que venho dizendo, só daremos valor para as coisas que nos importa, quando perdemos. Não adianta passar mais correntes em power point, não adianta eu lhe dar conselhos, isso não vai mudar. Existem coisas que não mudam. O ser humano é burro e só vai dar valor quando perder. É assim que as coisas são. Não foi diferente comigo.

Você sempre pediu para botar grades na janela, mas eu nunca lhe dei ouvidos. Não havia motivos para gastar dinheiro com uma maldita grade. Mulher gosta de gastar dinheiro à toa. A sua desculpa era sempre a mesma, que seria para proteger nossa casa quando tivéssemos nossos filhos. Mas nós nem tínhamos filhos, para que pensar nisso agora? Ontem nós discutimos e o motivo foi o mesmo de sempre: a grade na janela. Dormi na sala para não ter que ouvir você reclamar e, quando acordei e entrei no quarto, fiquei olhando você dormir por alguns instantes. Pensei em te acordar, mas me lembrei da nossa última briga e a raiva voltou a me perturbar. Apenas saí. Quando fechei a porta de casa, fingi não ter ouvido você me chamar. Não queria dar o braço a torcer, apenas saí.

Ah se eu soubesse que aquela seria a última vez que ouviria a sua voz. Eu teria voltado. Teria ficado em casa, ao invés de ter saído para trabalhar. Se eu pudesse voltar no tempo... É o que todos nós pensamos depois de perder alguma coisa que realmente nos importa.

Quando cheguei em casa, achei estranho você não ter vindo me receber. Achei mais estranho ainda quando vi algumas coisas bagunçadas, jogadas e espalhadas pela casa. Corri para nosso quarto e encontrei você deitada no chão. Meu coração batia forte. Havia sangue em sua roupa e vidro espalhado pelo chão. Apesar de burro, não precisei de muito tempo para entender que haviam entrado em casa, justamente pela janela – que não tinha grades. O sangue saía de um ferimento causado por um tiro que foi dado em seu peito, ou em suas costas, não sei dizer. Só sei que você tinha razão. Deveríamos ter colocado grades nas janelas.

Como eu disse antes, o ser humano é burro. Pois só sente falta daquilo que perde. Sinto falta da minha mulher, mesmo tendo perdido ela há algumas horas. Já sinto saudades. Queria tanto poder voltar no tempo e acordá-la com um beijo. Ou então, ter me virado quando ela chamou por mim. Queria pedir-lhe desculpas. Dizer-lhe que se queria grades nas janelas, nós colocaríamos. Queria apenas poder dizer o quanto eu a amava...

Meus olhos estão pesados, cada vez mais pesados. O som não chega ao meu ouvido como antes. Sinto-me fraco e vulnerável, mas mesmo assim, continuo sorrindo. Eu não tomaria essa decisão, e talvez essa seria outra coisa a qual eu me arrependeria um dia. Quem sabe? Mas ao ver aquele pedaço de papel no chão, não tive escolhas a não ser segui-la. A consciência que me resta vai se esvaindo, assim como o sangue dos meus pulsos. Observo o caminho que ele faz no chão do nosso quarto e fico feliz em ver que o meu sangue se junta com o seu. O rubro líquido se funde no chão, formando uma só poça. Nós fomos um só. Agora, meu corpo tomba sobre o seu. Dois seres humanos que viveram como um só, mas em instantes não passaremos de corpos. Alguns dirão que são dois, mas estarão enganados, pois somos três. Aquele papel dizia que era hora de colocar as grades na janela. Grades para proteger nossa casa quando tivéssemos filhos. Nós íamos ter um filho.

Medo


- Por que você não diz logo o que você sente por mim? - Disse ele enquanto ela se levantava da cama ainda nua, deixando o lençol escorrer pela pele, indo devagar em direção ao banheiro.

- Você precisa que eu fale para que você possa falar? Ela perguntou com uma voz rouca e calma e ele riu - Que eu saiba o nome disso é insegurança.

- Pára de besteira e diz logo que você me ama e que não consegue viver sem o meu pau. – Disse ele bem alto se esparramando na cama em estado de rei.

- Digo melhor: Quem dera o teu pau fosse grande como o teu ego. – Ela falou alto com raiva de mulher traída. Ele riu mais alto ainda em som de deboche.

- Agora a pouco você não estava reclamando de nada. Estava até pedindo mais. – Sentada na privada, ela enrugou a testa e bateu a porta do banheiro com raiva.

Ficou por um tempo lá dentro. Se olhou no espelho, chacoalhando a cabeça em negação, e ficou pensando em como ele tinha talento para estragar momentos que seriam bons. Talvez até perfeitos. Ele lá fora deitado na cama pensando nela lá dentro.

- Pára de palhaçada! Volta pra cama. Tá cedo, ainda dá pra dar mais umazinha.

Ela abriu a porta de súbito. Olhou para ele na cama com ar sério. Soprou o ar com raiva. Apagou a luz do banheiro e foi para a cozinha beber água. Ficou lá sentada nua na cadeira da cozinha se perguntando por que ainda se sujeitava a dormir com homens desse tipo.

- Já me cansei desses seus machismos imbecis. Não sei nem por que eu ainda te dou linha. Você não faz nada por mim! – Disse alto quase em voz de choro. Mas choro de raiva - Tem muito homem por aí me querendo e eu aqui perdendo o meu tempo com alguém feito você que não tem nem capacidade de dizer uma coisa bonita depois que me come.

Ele ficou sério. Olhou para o teto e respirou fundo. Talvez estivesse sentindo ciúmes. Ela não podia dizer, nem queria mais olhar para ele. Ele ligou o rádio que estava na cabeceira da cama. Ficou lá deitado pensando em coisa nenhuma cantarolando a música do U2 que tocava na rádio. Uma coisa estranha tocou sua barriga, lá dentro do estômago.

Não sentia essa coisa desde que era pequeno e ainda levava chineladas da mãe. Era um sentimento estranho que começava no estômago e ia subindo até o peito. Como se tivesse uma mão apertando tudo por dentro. Massageando devagar. Doía. Às vezes parecia uma coisa boa.

- Você acredita em amor ou promessa?

A pergunta chamou a atenção dela, que saiu em passos rápidos da cozinha em direção ao quarto, os cabelos voando para trás. E, quando sentou-se na cama sobre as próprias pernas apoiando as nádegas nos pés, os cabelos caíram sobre os seios. Ele achava lindo.

- Eu acredito em alma gêmea.

- Tá de brincadeira né?

- Eu acredito em alma, em uma coisa maior que o corpo, mas que está diretamente ligada a ele. - Gesticulava tentando fazê-lo entender. E suspirava em encanto - Eu não sei explicar. Mas eu sei que existe.

- Não sabia que você tinha esse lado religioso.

- Não é religião. Já reparou como cada pessoa é um pedaço da gente mesmo? É como se a gente tivesse vindo de uma coisa só. Essa coisa é o que eu chamo de alma. Na verdade, chamo assim por falta de um nome melhor.

- E a alma vai pro céu quando a gente morre? – Disse ele com um sorrisinho de deboche, com a boca de lado.

- Não, seu ridículo. A alma fica aqui se dividindo em mais almas e completando o sentido de mais pessoas.

- É uma coisa meio Clarice Lispector né?

- Não. O nome disso é fé.

- Já que você gosta de dar nome para as coisas, por que você não dá um nome pro que você sente por mim?

- Tesão. Serve?

- Não tem sentimento então?

- Tesão é sentimento.

- De todos o mais superficial.

- Talvez não. Porque o tesão é feito de instante. O amor precisa da saudade. E eu gosto do teu abraço de homem. Isso já me basta.

- E você já amou?

- Já amei minha mãe.

- Palhaçada! Já amou um homem como você me ama?

- Eu nunca disse que te amo. – Disse olhando nos olhos dele e levantando a sobrancelha.

- Ama só o meu pau então?

- Por que você tem que fazer isso sempre? A conversa tava boa. Por instante pensei até que você não fosse morto por dentro.

Ele olhou para baixo e disse bocejando:

- Amanhã eu acordo cedo.

- Boa noite.

Ela deitou lhe dando as costas. Puxou o lençol e se cobriu. Ele desligou o rádio e apagou o abajur. Hesitou na vontade que veio e que não sabia de onde. Aquela coisa que veio do estômago e foi para o peito: chamou isso de nó. O nó apertou fundo. Não agüentou mais e abraçou ela. Segurou sua mão, encaixando seus dedos nos dedos dela. E com a boca no ouvido dela disse baixinho:

- Eu te amo.

Ouviu num sussurro de resposta:

- Eu sei.

Lúcia


Sua mão formigava até a ponta dos dedos, ali, permaneceu deitado, noutro nível de razão. Na mesa de patina envelhecida, descansava os restos de cocaína e a vodka barata de uma viagem a mais da noite passada. Os quadros minimalistas caídos por cima do sofá plutônio e couro traziam a náusea da miséria dos últimos tempos.
Tudo escuro, inclusive o líquido coagulado no corpo sob a cama... Caminhando em direção ao banheiro ele limpa o vidro do espelho sujo e embaçado, o espírito ainda flutuante, caminha agora em direção à geladeira, passos arrastados, a boca ainda seca, se abre na tentativa de saciar a sede, mas o cheiro forte vindo do quarto anuncia nova náusea. Senta-se com esforço no chão do corredor cor de vinho e voltam os flashs sintomáticos aderidos ao fígado, estômago e traquéia que agora se fecha quase que completamente enquanto pouco a pouco volta a si....
Estava consumado: o bilhete, o telefonema, os gritos,o fim.
Arrastando-se rumo ao quarto, põe as mãos sob o lençol de lasie e afaga o antebraço de Lúcia, o corpo alvo já em estado inicial de putrefação, ainda conserva os cabelos loiros que ele tanto amava, o sangue empretecido secava na fenda formada em seu pescoço, ainda não consegue chorar, três dias talvez? E nem ao menos uma lágrima...
Voltando os olhares para a carreira de cocaína ainda deixada sob a mesa, esboça um sorriso de canto, brincando com o novo carrossel ainda não consumido, senta-se na mesa enquanto joga beijos na direção de Lúcia. Os móveis não estavam na posição que gostava, ficou ali imaginando se fora sua fúria que jogara os rastros de objetos ao redor ou se a deslealdade de Lúcia que o incitara a ter fúria. Logo ele, que apreciava a organização dos fatos e das coisas.
Tudo em seu devido lugar...os quadros quatro dedos acima do sofá, a mesa direcionada ao quarto, o espelho centralizado acima do lavatório, nada alterado, tudo na ordem de seu lar.
Um silêncio. As poças coaguladas em baixo da mesa o incomodaram, amanhã talvez retirasse um pouco dela...Voltou-se para sua infiel Lúcia, deitou ao seu lado. Tão linda...os cabelos ainda estavam loiros.

Bob's


Bob’s
Eles se viram. Se olharam. E agora confirmam: estão certos de que já se viram antes.Seus olhares penetram-se. E no compasso acelerado do desejo, ambos notam algo em comum: são anjos controlando seus demônios. Insistem e se perdem pela carne, pelo prazer, pelo descontrole dilacerado da respiração ofegante de quando se aproximam.
Olhos nos olhos. Mais próximos... Se cumprimentam sem palavras. Aproximam-se mais, sentem certo calor. Deste, que parece iniciar de baixo pra cima e de dentro pra fora, fazendo com que os poros se enlouqueçam, abrindo e fechando sem ordem. Sentem um frio na barriga. Desejo.

A mão dela se esbarrou na dele, como quem não queria que esbarrasse. Intencionava mais. Queria tocar além da mão. Claro que ele nota. Ele, mais discreto, corresponde só com o olhar. Só que agora o tom muda. Ele tem fome. Ela tem fome. Os dois têm desejos.Olhos, mãos, pele, corpo, boca, língua, suor... Respiração.

Se desejam. Se imaginam. Se sentem. Ela o seduz. Femininamente traiçoeira, o puxa pelas mãos.
Vai ser ali mesmo. No andar de cima, no banheiro feminino. O tempo é curto, ela se encarrega de tudo. O ordena só com olhares e ele a obedece como quem entende todos os seus sinais.
A voz sussurra quente em seu ouvido... Ela o deseja. Passa a mão pela suas costas, usa suas unhas, o toca com sua boca quente e molhada. Vai até o pescoço que tem cheiro e suor de quem a deseja ainda mais.
Sorrateiramente, caminha com suas mãos até as mãos dele. Estão suadas. Parece um menino com medo. Ela encarrega-se de passar com as mãos dele no seu corpo. Tudo é ardente. Delírios e sussurros de desejo. Pele, boca, poros... é tudo quente. Tudo.
Acelera o ritmo. Boca com boca, as línguas dançando valsa em seus corpos.Pele branca, alva, quase inocente... Misturada a cor morena e quente de quase pecado. Temperatura nas alturas. Aceleram ainda mais o ritmo. Gemidos e sussurros de prazer até que... Batem na porta. Era no banheiro feminino. Envolvida, destemida e completamente entregue... Ela silencia tudo em um beijo, quase tímido.

Estão molhados de prazer. Mordendo os lábios, eles se olham. Batem mais uma vez na porta. Calmamente ela se arruma, se enfeita, enquanto ele, pasmo, assiste a tudo com o coração acelerado. Não batem mais na porta. Ela sai primeiro. Eles já se falavam tanto pelo olhar que ele entendeu também que poderia sair.

Saem. Estão de mãos dadas. Seus corpos aprenderam a se falar antes que suas vozes se proclamassem.
Foi a primeira vez e, com certeza, não seria a última.

Amor de infância


Quando estou ao seu lado, já sinto algo remexendo minha cabeça, você me enlouquece. O simples toque de sua pele na minha, é o bastante para me fazer fechar os olhos e não querer mais abrir. Ao te abraçar, sinto o suave cheiro de seu perfume e a pele macia de seu pescoço me convida a beijá-la. Beijo e sinto suas unhas se arrastando pelas minhas costas. Eu sei que você gosta disso. Delicadamente percorro o seu pescoço e alcanço sua orelha. Sinto seu corpo retorcer em meu abraço, sei que você adora isso.
Não adianta sussurrar em meu ouvido e dizer que estou judiando de você, pois toda vez que pergunto se quer que eu pare, você diz que não com a cabeça e com os lábios você me beija, pedindo mais. Minha mão se fecha sobre seus seios, firmes e rijos. Não poderia querer outro tamanho, eles se encaixam na minha mão como se fossem feitos para mim. Você joga a cabeça para trás, deixando escapar uma respiração mais intensa, na inútil tentativa de evitar o gemido.
Depois de judiar de você, continuo seguindo meu caminho. Enquanto minhas mãos apertam sua deliciosa bunda, minha língua deixou para trás seus mamilos e se posiciona para contornar seu umbigo. Nesse momento, fico em dúvida se gosta mais da minha língua em seu umbigo, ou se das minhas mãos te massageando.
Trago minhas mãos para frente e habilmente desabotôo o botão da sua calça jeans e desço o zíper. Estrategicamente ofereço minha orelha para que seja beijada e lambida; na verdade, quero estar próximo da sua boca para ouvi-la sentindo prazer. Meus dedos já ultrapassam o elástico da sua calcinha e brincam delicadamente sobre seus pêlos pubianos. Não preciso de olhos para saber que seu ‘penteado’ está do jeito que gosto – curto e retangular.
Adoro brincar em sua virilha, isso faz a expectativa aumentar. Meu dedo desce suavemente entre suas pernas e a resposta à minha ação vêm pelos dois lados: o gemido em meu ouvido – eu adoro isso – e a contração de suas pernas ao redor da minha mão. O mel do seu corpo lambuza minha mão e sua respiração em meu ouvido é algo que me deixa entorpecido. Sei que você ama isso.
Não se passa muito tempo até você voltar a sussurrar em meu ouvido: “Agora, você está judiando muito, muito, muito mesmo!”. Pergunto se quer que eu pare e você diz que sim. O sorriso em seu rosto é a prova de que também queria mais, mas não faz mal. Sei que precisa de tempo para que as coisas aconteçam na hora e no local certo, eu não tenho pressa. Afinal, temos todo o tempo do mundo.

Moradia


Cada dobra do meu corpo tem cheiro de mar
Porque meus ossos estão pintados de vermelho
Ascendo teus olhos
Provocando meus dedos, comendo minha mão com sal
Ajoelho-me diante do altar dos diabos
Dentro da minha boca ele dança

Poderia ser qualquer outro corpo, mas é da tua boca que quero lubrificar teu sono
Uma língua e minha santidade humilhada
Nada mais pedi... que não fosse uma língua
Suplício discreto onde meu corpo pede paz e pede guerra

A cada sussurro o delírio o gozo:
O desejo descontrolado de pintar imagens
Desenho em tua cabeça uma mulher nua arreganhada em seus jardins
Teu fluído canta por todos os meus pêlos
Vasculho com a língua o fluído do outro, e vasculho saídas
A língua queria desenhar ali, completa, escorrendo pelos cantos o gosto
A língua consentiu com o gozo

Devagar, bem devagar entre...
Adentre a única cavidade do grande devaneio
Lubrifico em meus dedos as entidades mais explícitas
Dança em tudo que preciso
Movimentos trêmulos, suados
Após o gozo a sensação perdura
Os músculos tornam-se vazios como as ondas
Teus olhos transam com minha íris
No útero do céu, o brilho escorre pelas coxas
Tua rua é um rio de orgasmos.

Faço só. Faço Sol.


Quando acaba o encanto e o entusiasmo de "nós", entra a singularidade solitária do "eu".


E se não fosse esta vontade inquieta e gulosa de ser feliz, já teria entregue tudo nos braços desta que me acompanha dias a fio, sem se cansar de mim, sem me abandonar... Esta solidão.

Nossos erros foram vitais e nosso livro não chegou ao fim. Fechamos a página quando líamos a última frase do capítulo cinco. O último ponto final que vi, pontuava a palavra sozinha.

Nossa música pausou. E no silêncio que agora há, percebo que já estávamos sós, com nós e eram muitos nós!

Talvez a solidão pague a conta desta vontade de terminar o livro. E talvez, ela te faça encontrar suas asas. Juntei todas as penas que sentia de mim e bati minhas asas.

Trago a solidão agarrada neste meu coração que cabe tanto sentir em vão.

E eu quero o Sol. Vôo e vôo alto.

Voando só, batendo minhas asas.

Tudo que hoje desejo, faço só.

E se não ver a luz e não sentir o calor, eu faço o Sol.



Eterna solidão

Meus olhos se fecharam para tentar conter as lágrimas, mas foi inútil. Faixas grossas e rubras cortaram o meu imaculado rosto lamentando a sua partida. Como é possível esquecer essa dor em tão pouco tempo? Há tanto conhecimento e sabedoria dentro de mim que às vezes sinto como se eu fosse explodir. Mas mesmo assim, eu continuo esquecendo a terrível dor de perder alguém. Essa lição eu ainda não aprendi.
Poder, força, dinheiro e a vida além de qualquer compreensão. Sou aquilo que muitos gostariam de ser. Pobres infelizes, não sabem que eu seria capaz de qualquer coisa para estar no lugar de vocês. Não fazem idéia de como é passar ano após ano, década após década...(suspiro). Século após século e continuar sendo a mesma coisa vazia.
Como é difícil superar o fato de perder alguém. Não é a primeira vez, não será a última. Farei isso ao longo dos séculos, assim como tenho feito. Caminhando nesse mundo como um ser errante, amante. Não me lembro da minha origem, não faço a menor idéia de qual é o meu destino. Apenas caminho, alheio a qualquer coisa. Preencho meu coração com amores passageiros, que sempre irão ficar ao longo do meu trajeto. E a cada amor perdido, eu choro e lamento pelo vazio que fica dentro do meu peito. Eu poderia evitar essa sensação e seguir minha jornada sem me envolver com ninguém, mas confesso que nem mesmo eu sou forte o bastante para viver dessa forma. Quem conseguiria viver dessa forma?
Você se foi e preciso enxugar as lágrimas; tirar o sangue que mancha o meu rosto. Preciso descansar o corpo para o amanhecer que se aproxima; preparar meu peito para ocupá-lo com um novo amor. Mas essa noite, não. Essa noite serei aquilo que sempre sou quando perco um amor... Um ser imortal, incapaz de ter uma vida ao lado de alguém. Um vampiro destinado a caminhar ao lado do tempo, deixando as coisas que ama para trás. Uma criatura sozinha. Vazia. Oca!

Faber Castell


Me dei conta que poderia viver perfeitamente bem sem sexo. Perfeitamente? Não que não sinta falta, até sinto. A falta é o meu mal maior. Sinto falta até de dor, às vezes. Mas a verdade é que, se pudesse, trepava todo dia. Estaria trepando agora se ela estivesse aqui. Ela fala “fazer amor”, mas eu acho isso uma palhaçada. Tudo bem que até pode servir para colorir um pouco a coisa toda e a cena de nós duas ali peladas em cima de uma cama suja de motel barato não parecer uma simples trepada de sábado a noite. Aliás a única coisa que ela sabe fazer é colorir.

Colorir até é legal. As coisas coloridas são sempre mais bonitas. O mal é que o colorido dela às vezes fica meio borrado. Dá vontade de apagar. Bebo vinho para passar uma borracha nas coisas. O mal é a dor de cabeça no dia seguinte deixando tudo ao redor num tom cinza meio morto.

Ando achando que desaprendi a viver sozinha. Quando me vejo sozinha decoro um poema ou canto uma música mentalmente. Mas agora para apagar um pouco essa solidão eu pensava nela. Se bem que não sei ao certo se pensava nela para não sentir a solidão ou se pensava porque não conseguia não pensar.

A gente nunca fica só, só sentindo solidão. Sempre tem alguma coisa para pensar, um pensamento para acompanhar a gente. Sempre tem um problema atormentando. Ou uma lembrança boa que surge sem pedir licença. Não consigo separar pensamento de sentimento. Acho isso um defeito. Pensar demais, às vezes, me deixa opaca.

Acho que cochilei sem me dar conta disso. Acordei e não pensava em mais nada. Lembrei de uma música da Legião Urbana. Sempre que pensava em solidão me lembrava dela. Depois me lembrei do jingle de um comercial qualquer. E o jingle dominou minha mente como uma droga. Droga de musiquinha que gruda na cabeça!

Às vezes sentia necessidade de fazer ausência. Por isso descartava coisas e pessoas facilmente. Gostar e desgostar para mim era quase um passa-tempo. Era não, sempre foi e ainda é. Isso para mim sempre foi fazer ausência, nunca soube chamar de outra coisa. Fazer ausência é deixar-se parede descascada, precisando de tinta. Fazer ausência não precisa ser ausentar-se dos outros, não simplesmente fazer-se ausente para os outros. Fazer ausência é se esvaziar de amor. Às vezes até de amor próprio, quando não sobra mais amor a nada. O que eu queria mesmo era alcançar era o estado de presença. Nunca fui presente: imediata, ativa, pessoa momentânea. Nunca.

De uns dias para cá, me senti bege. Bege é cor de gente séria, gente racional, gente que coloca coisas em ordem. Gente que pesquisa o significado das palavras no dicionário, mas não consegue sentir o sabor delas. O bege não tem gosto de nada. Senti falta de um amarelo sol. De um vermelho sangue, um azul borboleta, um preto tesão. Do branco do sutiã dela. Me dá um giz de cera, por favor. Pega essa merda de aquarela pra mim!

A solidão me consome em bege. Cor feia da porra! Resolvi ligar para ela. Disquei o número, mas percebi de repente que só precisava de um lápis de cor.

Renúncia


Pertenço ao ventre órfão da saudade
Apenas observo a queda
Angustio curvas da consciente agonia
Alivio acenos e sussurros
Este chão encarde as percepções
Neste chão perambulo meu ócio
Sinto falta do concreto absurdo
Guardo-me íntegro feto do ventre só

Renuncie a negatividade da posse?

Optar tecer folhas nos olhos alheios
Se pensar ausência de outros,
Lhe diria estar pintando novas espécies
Daí rompendo as certezas
Severo em atitudes
A intuição distante:

A solidão explica os versos.


Rico rico de marré de si. Tinha tudo o que queria ter. Tendo já seu lugar ao sol, acreditava que ir à igreja no domingo era a garantia de uma vaguinha no céu. Até que um dia tudo se foi.

Os sorrisos não passavam de fotografias queimando e desfigurando de pouco em pouco as alegrias congeladas. O que você sente quando fica pobre de tudo?

Se viu sentado no meio-fio, de frente para o espaço onde ficava a sua casa. Um sentimento, que talvez fosse ódio, começou a subir pela garganta. Sentiu pena de si mesmo pela primeira vez. Se perguntava o que meu Deus! tinha feito para merecer aquilo. Viu a fumaça que ainda saía dos destroços dançando no ar. Ficou por muitos minutos hipnotizado pelo balé cinza da fumaça. Olhou para o céu de poucas estrelas. E de repente se lembrou de estar domingo na igreja e, sem ainda entender, sentiu vontade de dizer:

- Isso nunca foi meu.

Pobreza ou Nobreza


Acho que nunca estive perto da pobreza. Concluí isto quando comecei a procurar uma imagem para postar no blog, sem antes mesmo ter escrito algum texto.

A minha idéia inicial para o texto sobre a pobreza era traçar um paralelo entre a pobreza espiritual e a pobreza material e, de certa forma, mostrar que são mais pobres os que não têm grandeza espiritual...
Mas, ao me deparar com esta imagem que escolhi, desisti. Porque, também concluí, que eu não tenho nenhuma grandeza de espírito para compreender esta desigualdade.

Já reclamei de fome sem nunca a ter sentido. E vivo insatisfeita com minhas conquistas, com meus sapatos que nunca acho suficientes para ir às festas, às reuniões, ao trabalho, aos almoços e jantares. Almoços e jantares que, certamente, as migalhas da minha mesa, seria farta ceia no estômago vazio deste menino.

Sinto-me envergonhada. Sinto-me impotente.

A imagem mostra os seus pés. Seus nobres sapatos foram produzidos com garrafas plásticas e tecidos velhos. São seus pés... Tão fixos no chão, como os pés de quem não quer voar. Não pode voar.

Meus olhos já lacrimejando, choram as lágrimas de quem se sente culpada por carregar este meu sorriso sem vergonha de quem nunca notou a sua dor. Enxergo seu rosto cansado, com fome de pão, com fome de atenção, com fome de amor. Seus olhos me imploram um pouquinho de mim, da minha compaixão e o mundo que eu sempre tive nas mãos, desabou.

Nobreza é andar de pés no chão.

Voar rasteiro a terra sem almejar o céu como a última estação.
Ser nobre é ter olhar doce enquanto o organismo está em guerra pela falta de pão.
E talvez, pobreza de espírito, seja julgar-se bom, nobre e cheio de compaixão quando na verdade nem se sabe o que é, de verdade, triste e ruim.