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Rigor Mortis




Morte em vida já o era
Infeliz partida solitária
Da casa velha de móveis avermelhados
Ausentou-se de si a pequenina
Covarde é não partir pra ver como é...
Foi-se sem deixar recomendações
Decompôs sua essência perturbada
Decompôs seu corpo jovial

Descompasso e abandono daquele que fez-se ternura
Tomaram dois minutos talvez, latejar de todo pensar conquistado
Cessa ar, fôlego da vida
Partem células
Caminha o sangue, somos todos brancos
Rigor mortis de sua antiga fortaleza
Algor mortis de seu falecido desejo
Exala final, expele descomeço
Gusanos aliados de tua ausência
Abandono de teus cabelos loiros
Arranca esses olhos cinzas
Sugam a pele branca
Banquete da antiga fartura

Não a acolheram anjos
Não a importunaram demônios
Era maracatu do Seol
Era o nada inexistencial
Completo vazio a preencher o silêncio

Parto de partidas suicidas
Era rua Men de Sá 380
Coagiram a morte em goles
Masturbou toda putrefação
As pálpebras cerradas frustram expectativas
Amparou-se frente a despedida cotidiana
Enterrou mágoas
Ressurgiu recomeço
Feto de novo ciclo
Da próxima vez serei outra.

Clara



Subiu o primeiro degrau, o segundo. O vento bateu em seus fios dourados. Lá de cima Clara via as luzes da cidade. Como eram lindas! Imaginava o que as pessoas faziam com suas luzes naquele instante. A família se entretendo com a trama colorida da novela. Um grupo de jovens bebendo cerveja no bar de lustres antigos. O casal apaixonado num jantar a luz de velas. Pessoas dançando sob a luz fluorescente da discoteca. O homem de terno trancado em seu escritório com a luz azul do computador refletindo em seu rosto. Do alto do prédio, Clara podia ver todos eles. Todos aproveitando suas vidas, suas luzes. Tantas luzes!

Se lembrava de tudo o que a fez chegar até ali. Às vezes se sentia como um rato de laboratório correndo em sua roda incansavelmente. Corria e corria em direção a coisa alguma. Às vezes se sentia num reality show, assistida vinte e quatro horas por dia e sendo julgada cruelmente a cada coisa boa ou ruim que fazia. As coisas ruins sempre pesavam mais. Por mais que Clara fosse uma menina bonita, não tinha brilho próprio. Sempre a comparavam com alguém, uma atriz holliwoodiana, uma cantora de mpb. Ela montava e desmontava sonhos como brinquedos. Não levava seus namoricos a sério. Não sentia saudades de quem partia. Não conseguia ver sentido nas coisas. Nunca sentiu medo. Clara era triste a vida inteira.

Ela respirou fundo, soltou o ar. Estava certa do que faria. Até que o medo subiu frio pela espinha. Pela primeira vez, a vertigem. Um passo a mais e Clara apagaria a sua luz para sempre. Os táxis passavam com seus faróis altos. Uma lágrima brilhante escorria no rosto de Clara. Se sentiu tonta. Sabia que poderia cair dali de repente. Era uma sensação nunca experimentada. Clara se sentiu fora de sua jaula pela primeira vez.

Agora ali vendo de camarote todas as luzes da cidade, as luzes das pessoas, vendo a faísca que os carros faziam quando passavam em alta velocidade. A um passo do chão e do fim. Clara sentia o vento levando seus pedaços embora. Era pela primeira vez Clara.

Abriu os braços. Fechou os olhos. Levantou a perna direita, pronta para dar o passo final. Sentiu uma mão macia segurando sua mão. Esqueceu por um momento o que ia fazer e olhou para trás. Os olhos castanhos claros que lhe diziam para não pular. Olhos que brilhavam mais forte que o desejo de fim. E Clara encontrou a luz que procurava.

A Morte como desejo

Sinto o vazio!
Perdi algo que não identifico o que é.
Por mais que ainda sonhe,
a realização está mais longe
do que quando tinha 18 anos.
Lembro-me dos 18 anos!
Tudo parecia estar começando,
se abrindo diante de meus olhos,
assim, pertinho...
E agora?
Medo
de perder a esperança:
"um homem sem esperança
não é nada!"
Odeio o nada;
parece explicação fajuta
para alguma coisa.
Nunca pensei sentir-me tão mal.
Mas sentir
é a comprovação de que estou viva.
Então sinto:
sinto a dor,
o desespero.
Sinto a vida como erro
e a morte
como desejo!