Prisioneira da Canção


Me prenda.
Me abrace.
Não desfaça as amarras.
Me queira presa em teus braços.
Sou livre quando algemada em teu gosto.
Adentre sem bater.
Quero tua voz fingindo promessas de amor.
Ser teu sono, tua falta, teu engano, teu calor...
Transformar teu sonho, paisagem.
Riviver estrelas no mar do Arpoardor.
Borde em meus cabelos teus carinhos.
Grave em mim tuas palavras.
Beba em minha boca o que te mata a sede.
Intensifique as notas e aumente os tons.
Me viva em cada refrão.
Me consuma.
Me ame em cada pedaço de chão.
Mate e reviva teu peito em meus tambores.
Sou quase som quando ouço tua voz.
Sou quase poesia quando me prendo no teu beijo.
Sou quase céu quando te tenho sol.
Sou quase lua quando te tenho noite.

Me amarre em seus versos.
E não me solte em rimas.
Quero ser a melodia dos teus passos
A caminhar pelas estrelas do meu chão.
Quero ser prisioneira da tua canção.

Ausente



Quero me doar em versos...
E me dôo mais à medida que aumenta tua fome...
Quero mesmo que não reste nada de mim.
A não ser novas linhas que contem nossa história.
Se pudesse ler minhas entrelinhas...
Saberia que em cada vírgula,
Respiro um pedaço teu.
Ah, se neste teu silêncio tivesse guardado mais de mim...
Nas noites vazias, vou somando as coincidências.
Sinto que foi feito sob a medida das minhas loucuras.
Não há nada em você que eu não goste muito.
Sinto que podemos ser...
És o portador das minhas fórmulas de amor...
O tempo te guardou em mim...
E ainda que a distância persista...
Rompo as barreiras entre passado e presente...
Te tenho em meu futuro...
Futuro do pretérito perfeito!!
Pode ser que seja...
Pode ser que virá...
Mesmo que ainda esteja ausente...

Nem aí!

Eu não estou nem aí! Quando eu ouço o meu som, visto minha roupa e coloco os óculos escuros, eu simplesmente não dou a mínima para o resto. O vidro aberto, o som alto e a velocidade aumentando.
Ouço aquilo que agrada os meus ouvidos, sinto a liberdade entrando pela janela e observo tudo àquilo que me dá na telha; seja uma saia curta, seja um carro importado, seja um velho bêbado na rua. O braço pra fora da janela e o sorriso no rosto. Não estou tentando atrair olhares, apenas estou feliz. Estou satisfeito com o momento – sempre estou, seja ele qual for.
Um apressadinho buzina, o farol acabou de ficar verde. Deixo o palhaço passar, pois eu não estou nem aí, logo eu passo por ele. Faço meu caminho, mesmo sem saber para onde estou indo. A música aumenta conforme o meu pé direito se aproxima do assoalho. O ponteiro gira e o vento bagunça meu cabelo.
Vejo um radar, corto pela direita e no retrovisor eu vejo a luz do flash. Não estou nem aí! Eu quero acelerar. O sol está se pondo, a temperatura não poderia estar mais agradável e meu braço se movimenta de acordo com a batida do som.
Mais um semáforo e dessa vez eu paro. Ao lado do meu carro uma mulher maravilhosa. Flertamos. Tentei trocar algumas palavras, mas ela fez doce. Assim que o farol ficou verde, arranco cantando o pneu e dou uma trancada nela. Isso é pra aprender a não se fazer de difícil. Metida!
Continuo acelerando e dessa vez tenho espaço para pisar. Não terei que brecar tão cedo, ou talvez, não precisarei brecar mais. Em alguns quilômetros aquela curva vai chegar e eu não vou brecar. Será que vou passar reto ou irei capotar? Tanto faz, afinal, o que o médico me disse mesmo? Talvez uma semana, duas no máximo... Hoje completam duas semanas, não vai restar mais tempo mesmo. Então não importa se eu passar reto ou capotar... Eu não estou nem aí!

Destino


Pouco a pouco vai anoitecendo
Durante mais que um dia não pesquei
Coloquei no anzol a melhor isca
O caniço curvou-se durante a briga
Trouxe o peixe a tona e o soltei
E fiz isso muitas vezes nesse dia
E talvez repita o mesmo amanhã
Foi mais uma escolha dividida
Alimentar os peixes da baia
Ou saciar a fome do meu clã
E de novo os peixes têm vencido
Eu mesmo só como pão e água
Eu gosto de vê-los em briga
Recolher aos poucos a vara retorcida
Torcendo para a linha ser quebrada

Verdades e mentiras

É incrível como o tempo é capaz de nos enriquecer com conhecimento, experiência e maturidade. Às vezes eu me pego rindo ao lembrar como somos facilmente enganados e iludidos quando temos pouco contato com o tempo. Mas não há motivo para se aborrecer, isso faz parte da vida de todo ser humano; seremos crianças e por isso seremos facilmente enganados. E só depois, somente quando o tempo nos permitir, é que iremos nos dar conta de tudo isso.

Cheguei a me sentir traído quando as verdades ficaram claras para mim. Senti-me tolo por ter acreditado em você, por ter dado ouvidos a você. Confesso que até raiva eu senti. Mas é engraçado como, ao mesmo tempo, eu descobri o seu esforço para que suas palavras fossem levadas a sério e que aquela conversa se tornasse real dentro da minha ingênua cabeça. Você realmente se empenhou nisso e por pouco não foi bem sucedido.

Com o passar do tempo, novas histórias foram contadas, mas todas elas continuavam sendo mentiras; mas devido ao meu convívio com o tempo e as minhas últimas descobertas, as histórias eram mais sutis, eram mais realistas. Mesmo ainda contendo mentiras e fantasias.

Você nunca foi uma pessoa má e hoje compreendo todas as suas atitudes. Envergonho-me em dizer que até faço o mesmo que fez comigo. Hoje eu apóio cada mentira que me fez acreditar. Compreendi a verdadeira importância disso tudo, e passo tudo adiante. Os papéis se inverteram e tenho certeza que sempre soube que isso aconteceria.

Irei me contradizer, mas as minhas acusações são muito mais injustas do que deveriam ser. Suas mentiras não foram tantas assim como venho dizendo. Na verdade, muitas coisas foram criadas na minha cabeça; acreditei em coisas a seu respeito simplesmente por ‘achar’. Sua culpa está no fato de me manter acreditando naquilo que achei a seu respeito.

Mas não me leve a mal, como disse, hoje eu compreendo e faço o mesmo. Hoje eu me orgulho, a cada novo dia. Hoje... meu sorriso só existe pois você me ajudou a construí-lo. Acredito que um texto semelhante a esse foi escrito por você quando eu era pequeno, e tenho certeza que um outro será feito daqui a certo tempo. Essa história é vivida em muitas famílias, mas poucos registram isso como estou fazendo. Por esse motivo, sinto-me responsável por deixá-la clara e sincera; represento a história de muitas pessoas e não só a minha. Muitas crianças foram enganadas e iludidas no passado, mas quase todas fazem o mesmo hoje. Assim como eu, eles compreenderam a importância disso tudo.

Quando pequeno, eu acreditei que você fosse imortal. Em nenhum momento pensei que você fosse vulnerável a uma faca, ou a um tiro, seja lá o que fosse. Foi quando pegou uma pneumonia que vi o quanto era frágil. Mesmo sem ser policial, ou mesmo não usando fantasias, sempre acreditei que fosse capaz de enfrentar qualquer vilão para me proteger. Achei que você fosse um herói. Até aquele dia em que tomou uma surra do vizinho por ter ralado no carro dele, lembra?

Você mentiu ao dizer que sempre iria me proteger e que, estando em seus braços eu estaria no lugar mais seguro do mundo. Quantas noites chuvosas você me acalmou com esse papo furado? Não consigo nem lembrar.

Nunca pensei que houvesse no mundo alguém mais sábio que você. Acreditei nisso até tirar um 2,5 no trabalho de datas históricas em que você me ditou as respostas e nós erramos quase todas. Você nunca foi bom com a história do Brasil mesmo, né?

Não irei me prolongar contando cada fato em que me iludiu ou me enganou. Já vi que você não esteve ao lado de Dom Pedro e que nunca esteve em uma guerra – tirando aquela de travesseiros. Também sei que nunca foi um galã de novela e que na verdade foi a mamãe que te convidou para sair. E não me diga para respeitar as leis de trânsito e a dirigir com educação, pois lembro de como comemorou ao jogar água de uma poça sobre uma senhora naquele dia de chuva – aquilo realmente foi engraçado. Mas e as multas? Continua recebendo muitas ainda?

Descobri com o tempo que você está longe de ser um herói e que você é repleto de defeitos. Todos nós somos. Não vou mencionar nada a respeito de sua idade, tá? Seu maior erro foi me fazer acreditar que eu tinha um super herói como pai. Mas hoje eu sei o quanto esteve certo, pois hoje eu sou pai e sigo seus passos. Faço com o meu filho o mesmo que fez comigo. Não estou me saindo tão bem, pois seu neto já sabe que eu não sou um gigante; encontramos um jogador de basquete ontem no parque. Mesmo assim, seguirei seus passos, pois hoje eu sei o quanto essas mentiras e falsas ilusões foram importantes pra mim. Elas me fizeram ser quem eu sou.

Hoje eu sei que meu pai é um homem comum, mas que ao longo da minha vida ele foi tudo aquilo que imaginei. Foi invencível, foi um herói, foi um astro, um gigante. Foi honesto, foi sábio. Foi tudo aquilo que hoje eu sou para o meu filho. E vou buscar sempre ser ao longo de sua vida. E farei isso sem deixar de ser, acima de tudo, aquilo que você sempre foi e sempre será... O meu pai!

Pai


Às vezes choro outras sinto medo calado

Não sei me defender e o mundo me machuca

Nos meus sonhos busco um guerreiro honrado

Herói poderoso que fique ao meu lado

Alguém que me livre das dores da luta

Sei que é ele, mesmo no escuro

Ele não acende a luz, mas sabe onde vai

Eu diviso o seu sorriso que o breu esconde

O reconheço, mas não sei chamá-lo pelo nome

E ele se alegra toda vez que eu digo pai.





Valsa

é pra falar de corpo?

Versos brancos para o corpo branco

Azuis os olhos

Cereja a boca

Derme, epiderme

Pele

Pele a pele

Pé no chão

Pernas brincam sob o lençol branco

Pêlos poucos

Pêlos claros

Arrepios

Dança de curvas secretas

Verdades à contra-luz


Seis Letras

















É pra falar de nós?


Nosso absurdo correspondendo-se em versos
Transmissão de pensamentos
Uma caligrafia e intenções inconfundíveis
Sabemos que com o corpo, lemos nossas próprias poesias
Brotamos de um tecido cortinado
Temos sono, noite, e estrelas
Temos arte em movimentos poéticos
Germinamos descarados em qualquer cena
Inúmeras linhas tecidas em poros
Escrevemos em fórmulas de desejos incompreendidos
Esta página é um itinerário abusivo
Aqui, inventamos um ócio transgressor
Nos apropriamos de uma literatura renovada
Expelidos das palavras, nossa paisagem é o papel
Temos um vício que nos pertence desde sempre
Seis letras erguendo nova possibilidade
Seis orgasmos em uma oração
Fazemos dos delírios convincentes
Servimos o desejo das palavras
Existe troca em nossos descompassos.

Sem Sono





é pra falar de sono?

Sem Sono
Esta inquietude sem sentido
Já é tão tarde...
E o meu relógio marca o mesmo horário de ontem.
Meu corpo não comporta mais tanto sentir.

A sensação é de que escapam sentimentos tantos
Pelos meus olhos sempre abertos...
Meus pés se balançam sem calma...
Vagam dúvidas mesmas de sempre...

Aflição sem dono...
Aflição sem sono...
As estrelas do teto do quarto...
Brilham e apagam na medida que o dia chega...
Fabriquei meu céu particular...
Porque estou sempre sem sono...

A noite passa... As estrelas dormem...
A lua descansa... E meu sono...
O mesmo horário, o mesmo relógio...

Um choro seco, sem lágrimas...
Eduquei meus músculos oculares...
Sabem quando podem lacrimejar...

Dor... é de cansaço...
Espera por nada...
e eu ainda de pé...

Me deito no vago espaço da cama...
E parece grande...
Mas não acomoda este meu corpo tão carregado de coisas suas...

Conto as horas...
Conto as estrelas poucas que restam...
Conto os cantos do quarto sem léguas...
Os espaços entre nós...

Conto os nós...
Só não conto mais este meu pensar que é tanto!
Água doce, camomila, maracujá...Cafuné!!!
Algo... alguém... Calmante!!!
Sono de volta...
Sonhos de volta...

Meu corpo não comporta mais tantos anseios, tantos desejos e aflições...
Tudo e tanto... por tão pouco ou nada...

Eu quero realizações!!!

Construindo sonhos

é pra falar de estrelas?



O sol da tarde estava escaldante. Miguel não suportava mais trabalhar daquele jeito.
- Vamos logo com isso Miguel. Já está na hora de ir pra casa. – Gritou Fernando.
Durante o caminho de volta à vila, os dois amigos conversavam. Miguel mais olhava o céu do que seu amigo. As palavras não lhe atraiam a atenção, não mais do que o céu estrelado sobre suas cabeças.
- Essa tal de São Paulo vai ser uma grande cidade. Você não acha, Miguel?
- Ah?! Ah, sim. Claro! – Depois de um breve silêncio, comentou. – Fernando, por que a gente não trabalha de noite?
- De noite? Que moléstia você tem, Miguel? De noite é escuro, não dá pra trabalhar.
- Mas as estrelas são tão brilhantes. Poderíamos trabalhar apenas com a luz delas. Aí, a gente não ia se cansar como se cansa de dia. E a gente pode se inspirar olhando o céu.
- E desde quando gente como nós precisa se inspirar, Miguel? Nosso negócio é levantar parede, muro, tijolo, fazer caminhos e outras coisas. Inspiração é pra burguesia, pra artista. Inspiração é pra aqueles que vão morar nessa São Paulo.
A conversa terminou, e ambos seguiram para suas casas. Eram humildes, mas estavam recebendo uma boa refeição e alguns tostões pelo serviço. Faziam parte de uma seleta mão-de-obra, responsável pela construção de uma grande cidade; da nossa São Paulo.
No dia seguinte, Fernando chamou Miguel, que preferiu ficar mais um pouco. Mas esse pouco durou a noite toda; noite, em que Miguel ergueu um comprido muro. O trabalho noturno tinha rendido, e não seria capaz de fazer tudo aquilo nem em dois dias de trabalho duro.
- Miguel. Você fez esse muro sozinho durante a noite? – Perguntou Fernando ao chegar no local de trabalho.
- Fiz sim. – Orgulhou-se. – Trabalhar de noite é melhor, mais calmo e com mais paz.
- E por que fez esse muro? Ele não vai servir pra nada.
- Serve sim Fernando. Ele pode servir para observar o céu. Ver as estrelas.
- Mas a cidade vai crescer. Talvez não seja mais possível vê-las. Ele vai ser esquecido no meio dos grandes casarões.
- É verdade. – Respondeu Miguel entristecido. – Talvez as pessoas se esqueçam de olhar para o céu.

...

Hoje aquele muro ainda existe. E é nele em que eu olho para o céu e vejo as estrelas.

Naufrágio


Ali deitada do teu lado vi um horizonte. Algo como uma linha fina, um traço quase invisível que separava esse mar de águas paradas e o céu, azul mas sem pássaros. Talvez fosse a tua culpa.

Ali deitada na tua cama, sentindo o cheiro do teu cabelo, avistei essa rachadura no teto. Esse céu sem estrelas que se estende sobre nossas cabeças e que agora nos oprime nesse mês de julho. Pobre de meu céu, testemunha das constelações que criamos. Agora a rachadura. Talvez fosse o concreto cedendo aos poucos, formando goteira.

Me levantei. Na ponta dos pés, com a ponta dos dedos, podia segurar a rachadura. Enquanto você, ali deitada, dormia um sonho ainda mais distante que o meu e nem desconfiava do que acontecia na sua própria cama. As gotas se formavam ao redor da ponta dos meus dedos. Escorria lágrima dos meus olhos. Doces ou amargas, as águas se misturam. Cada gota, uma a uma, percorria os meus dedos. Eu não sabia mais por que ainda tentava. Mas não podia deixar chover sobre nossa cama. Não podia. De repente, o horizonte, cada vez mais perto. E a tormenta que afunda o nosso barco. Talvez fosse o meu medo.

Você, mocinha em apuros, e aquele pirata te levou embora. Sozinha nesse mar, eu só tinha essa linha e essa rachadura. Cansada demais, soltei e me deixei cair na cama, deitada do teu lado. E esse céu que desaba água sobre o nosso pecado. Talvez fosse esse amor pela metade.

Meia Verdade



“Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que comerdes se abrirão os vossos olhos e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”.


Eu não sou Deus nem o Diabo, não sou bom nem mau. Sou fruto da mente de uma minoria que conhece os métodos de manipulação.
Eu não morri na cruz, nem lavei seus pecados. Não fui mártir, nem ladrão. Uma pomba não desceu dos céus. Não ressuscitei Lázaro. Os peixes e pães jamais multiplicaram-se. Judas não foi tão cruel assim. Não sou do Papa nem de Buda. Casei e fiz amor. Nunca neguei ou afirmei.
Não sou mentira. Sou uma meia verdade que oscila.

E no princípio, Deus criou os cínicos e os dissimulados.