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O que somos?

Nos momentos em que ficamos sozinhos e em silêncio é que começamos a pensar e a imaginar hipóteses. Começamos a criar teorias e raciocinar a respeito de teorias que vão muito mais além da imaginação ordinária de um ser humano.
Começo a imaginar se não somos máquinas. Sei que soa estranho e um tanto quanto contraditório, mas estou começando a acreditar nisso. Imagino que somos produtos de uma grande corporação onde nossas retinas já foram registradas, nossos perfis rotulados e nosso comportamento estudado. A cada momento, a cada situação nós somos testados e avaliados.
Seja no limite da dor física ou no limite da dor psicológica. Seja na solução de um problema, ou na superação de um ato heróico. Seja suportando um turbilhão de acontecimentos ruins ou na calmaria de uma vida monótona, onde nada acontece.
Acredito que tudo que vemos e ouvimos servem como microfones e vídeo câmeras para denunciar aquilo que a pessoa – ou nesse caso, a máquina – ao lado está fazendo. Mas ainda não compreendo como podemos ser avaliados quando estamos sozinhos, sem ninguém por perto. Talvez um sistema de leitura de pensamentos. Por mais que a máquina humana seja uma das coisas mais grandiosas e precisas já colocadas na Terra, ainda acho que existe uma tecnologia maior, àquela que nos controla e nos estuda. Àquela da qual nos expõe ao nosso limite; que nos testa de uma forma impiedosa, mesmo quando não temos mais forças para seguir adiante.
Outra possibilidade da qual eu não creio muito, é da que seria o ser humano um Deus. Um ser incrivelmente poderoso capaz de se colocar em situações extremas, sem mesmo se dar conta que sua própria vontade é, apenas, se testar. Somos capazes de raciocinar em velocidade superior a qualquer processador já desenvolvido. Nossos olhos enxergam cores da qual nenhuma máquina fotográfica é capaz de reproduzir. Nosso organismo é capaz de atuar, sem sequer notarmos, contra qualquer coisa que venha ameaçar a nossa saúde. Nossa existência permanece incontestável diante da incrível e intolerante força da mãe natureza. Nós somos seres superiores e nem mesmo sabemos ou nos damos conta disso.
Mas é possível que tudo isso tenha sido implantando em nossas mentes pela organização da qual retêm nossa patente. Sendo assim, podemos ser apenas fantoches ou ratos de laboratório de um propósito muito maior àquele que imaginamos. Fico sentado em meu quarto olhando ao meu redor e pensando nisso. Sei que em um caso podemos nos danificar ou sermos substituídos por algo mais avançado, e sei que por outro lado, podemos perder nossas forças se não tivermos nossa própria crença. Fico me questionando e tentando entender o que realmente somos. Máquinas ou Deuses?

A visão dos problemas

Eu abro os olhos mas não vejo nada. Giro meu corpo a procura de alguma imagem, mas só consigo enxergar a escuridão. Não importa o quanto eu pisque, ou quanto eu esfregue os meus olhos... Eu não consigo ver! Volto a me deitar, e assim que apóio minha cabeça no travesseiro, eu sinto uma lágrima escorrer. Não posso ver, mas ainda posso chorar.
A porta do quarto se abre, fico em silêncio. Você acaricia meu rosto e beija minha testa - que beijo doce. Você nota minhas lágrimas e suavemente sussurra em meu ouvido:
- Estou ao seu lado meu amor!
Meu Deus, como aquelas palavras me tocaram. No mesmo instante eu abri meus olhos, e mesmo sem ver eu sorri.
Espantada, e ao mesmo tempo feliz, você me abraçou e agradeceu por eu estar acordado.
Acariciei o seu rosto e disse:
- Eu daria a minha vida para ver o seu sorriso mais uma vez!
Mas você delicadamente cobre meus lábios com um beijo, e em seguida, responde:
- E eu daria o meu sorriso para que não perdesse a vida...
Naquele dia, percebi que eu não precisava enxergar. Pois eu tinha a certeza de que a pessoa que eu precisava, estava ao meu lado me abraçando, me mostrando que podemos viver e que podemos sorrir... Mesmo tendo problemas, e mesmo sem enxergarmos os problemas, nós podemos ser felizes.

Pegando no ar!

Sentado aqui, ali, ou até mesmo do lado de lá. Não importa onde o nosso traseiro esteja repousando, é incrível como podemos absorver conhecimentos e informações.
Nossa mente, mesmo depois de um dia cheio, que nos faz voltar para casa cansados e esgotados, pensando apenas em tomar um banho gelado e cair na cama, ainda é capaz de estar pronta, a ponto de bala, eu diria, para absorver informação e conhecimento.

Nosso HD mental é infindável e incansável. É claro que nossa mente, em alguns momentos se esgota e nossos pensamentos se fecham para tudo e todos. Mas, só se quisermos. Caso contrário, nossa mente vai absorver informação de uma forma absurda, como se fosse um verme faminto, engulindo tudo que vê pela frente.

Estou aqui, ali e até mesmo do lado de lá. Estou longe de casa, cansado e pensando em milhões de coisas. Mas basta olhar para o lado, ou apenas escutar uma outra pessoa falando e estarei aprendendo coisas das quais nem mesmo sonhei.

Não importa o lugar, não importa como... O que importa é que a informação circula no ar, só precisamos aprender a inspirá-la... Consumi-la.

Nem aí!

Eu não estou nem aí! Quando eu ouço o meu som, visto minha roupa e coloco os óculos escuros, eu simplesmente não dou a mínima para o resto. O vidro aberto, o som alto e a velocidade aumentando.
Ouço aquilo que agrada os meus ouvidos, sinto a liberdade entrando pela janela e observo tudo àquilo que me dá na telha; seja uma saia curta, seja um carro importado, seja um velho bêbado na rua. O braço pra fora da janela e o sorriso no rosto. Não estou tentando atrair olhares, apenas estou feliz. Estou satisfeito com o momento – sempre estou, seja ele qual for.
Um apressadinho buzina, o farol acabou de ficar verde. Deixo o palhaço passar, pois eu não estou nem aí, logo eu passo por ele. Faço meu caminho, mesmo sem saber para onde estou indo. A música aumenta conforme o meu pé direito se aproxima do assoalho. O ponteiro gira e o vento bagunça meu cabelo.
Vejo um radar, corto pela direita e no retrovisor eu vejo a luz do flash. Não estou nem aí! Eu quero acelerar. O sol está se pondo, a temperatura não poderia estar mais agradável e meu braço se movimenta de acordo com a batida do som.
Mais um semáforo e dessa vez eu paro. Ao lado do meu carro uma mulher maravilhosa. Flertamos. Tentei trocar algumas palavras, mas ela fez doce. Assim que o farol ficou verde, arranco cantando o pneu e dou uma trancada nela. Isso é pra aprender a não se fazer de difícil. Metida!
Continuo acelerando e dessa vez tenho espaço para pisar. Não terei que brecar tão cedo, ou talvez, não precisarei brecar mais. Em alguns quilômetros aquela curva vai chegar e eu não vou brecar. Será que vou passar reto ou irei capotar? Tanto faz, afinal, o que o médico me disse mesmo? Talvez uma semana, duas no máximo... Hoje completam duas semanas, não vai restar mais tempo mesmo. Então não importa se eu passar reto ou capotar... Eu não estou nem aí!

Verdades e mentiras

É incrível como o tempo é capaz de nos enriquecer com conhecimento, experiência e maturidade. Às vezes eu me pego rindo ao lembrar como somos facilmente enganados e iludidos quando temos pouco contato com o tempo. Mas não há motivo para se aborrecer, isso faz parte da vida de todo ser humano; seremos crianças e por isso seremos facilmente enganados. E só depois, somente quando o tempo nos permitir, é que iremos nos dar conta de tudo isso.

Cheguei a me sentir traído quando as verdades ficaram claras para mim. Senti-me tolo por ter acreditado em você, por ter dado ouvidos a você. Confesso que até raiva eu senti. Mas é engraçado como, ao mesmo tempo, eu descobri o seu esforço para que suas palavras fossem levadas a sério e que aquela conversa se tornasse real dentro da minha ingênua cabeça. Você realmente se empenhou nisso e por pouco não foi bem sucedido.

Com o passar do tempo, novas histórias foram contadas, mas todas elas continuavam sendo mentiras; mas devido ao meu convívio com o tempo e as minhas últimas descobertas, as histórias eram mais sutis, eram mais realistas. Mesmo ainda contendo mentiras e fantasias.

Você nunca foi uma pessoa má e hoje compreendo todas as suas atitudes. Envergonho-me em dizer que até faço o mesmo que fez comigo. Hoje eu apóio cada mentira que me fez acreditar. Compreendi a verdadeira importância disso tudo, e passo tudo adiante. Os papéis se inverteram e tenho certeza que sempre soube que isso aconteceria.

Irei me contradizer, mas as minhas acusações são muito mais injustas do que deveriam ser. Suas mentiras não foram tantas assim como venho dizendo. Na verdade, muitas coisas foram criadas na minha cabeça; acreditei em coisas a seu respeito simplesmente por ‘achar’. Sua culpa está no fato de me manter acreditando naquilo que achei a seu respeito.

Mas não me leve a mal, como disse, hoje eu compreendo e faço o mesmo. Hoje eu me orgulho, a cada novo dia. Hoje... meu sorriso só existe pois você me ajudou a construí-lo. Acredito que um texto semelhante a esse foi escrito por você quando eu era pequeno, e tenho certeza que um outro será feito daqui a certo tempo. Essa história é vivida em muitas famílias, mas poucos registram isso como estou fazendo. Por esse motivo, sinto-me responsável por deixá-la clara e sincera; represento a história de muitas pessoas e não só a minha. Muitas crianças foram enganadas e iludidas no passado, mas quase todas fazem o mesmo hoje. Assim como eu, eles compreenderam a importância disso tudo.

Quando pequeno, eu acreditei que você fosse imortal. Em nenhum momento pensei que você fosse vulnerável a uma faca, ou a um tiro, seja lá o que fosse. Foi quando pegou uma pneumonia que vi o quanto era frágil. Mesmo sem ser policial, ou mesmo não usando fantasias, sempre acreditei que fosse capaz de enfrentar qualquer vilão para me proteger. Achei que você fosse um herói. Até aquele dia em que tomou uma surra do vizinho por ter ralado no carro dele, lembra?

Você mentiu ao dizer que sempre iria me proteger e que, estando em seus braços eu estaria no lugar mais seguro do mundo. Quantas noites chuvosas você me acalmou com esse papo furado? Não consigo nem lembrar.

Nunca pensei que houvesse no mundo alguém mais sábio que você. Acreditei nisso até tirar um 2,5 no trabalho de datas históricas em que você me ditou as respostas e nós erramos quase todas. Você nunca foi bom com a história do Brasil mesmo, né?

Não irei me prolongar contando cada fato em que me iludiu ou me enganou. Já vi que você não esteve ao lado de Dom Pedro e que nunca esteve em uma guerra – tirando aquela de travesseiros. Também sei que nunca foi um galã de novela e que na verdade foi a mamãe que te convidou para sair. E não me diga para respeitar as leis de trânsito e a dirigir com educação, pois lembro de como comemorou ao jogar água de uma poça sobre uma senhora naquele dia de chuva – aquilo realmente foi engraçado. Mas e as multas? Continua recebendo muitas ainda?

Descobri com o tempo que você está longe de ser um herói e que você é repleto de defeitos. Todos nós somos. Não vou mencionar nada a respeito de sua idade, tá? Seu maior erro foi me fazer acreditar que eu tinha um super herói como pai. Mas hoje eu sei o quanto esteve certo, pois hoje eu sou pai e sigo seus passos. Faço com o meu filho o mesmo que fez comigo. Não estou me saindo tão bem, pois seu neto já sabe que eu não sou um gigante; encontramos um jogador de basquete ontem no parque. Mesmo assim, seguirei seus passos, pois hoje eu sei o quanto essas mentiras e falsas ilusões foram importantes pra mim. Elas me fizeram ser quem eu sou.

Hoje eu sei que meu pai é um homem comum, mas que ao longo da minha vida ele foi tudo aquilo que imaginei. Foi invencível, foi um herói, foi um astro, um gigante. Foi honesto, foi sábio. Foi tudo aquilo que hoje eu sou para o meu filho. E vou buscar sempre ser ao longo de sua vida. E farei isso sem deixar de ser, acima de tudo, aquilo que você sempre foi e sempre será... O meu pai!

Construindo sonhos

é pra falar de estrelas?



O sol da tarde estava escaldante. Miguel não suportava mais trabalhar daquele jeito.
- Vamos logo com isso Miguel. Já está na hora de ir pra casa. – Gritou Fernando.
Durante o caminho de volta à vila, os dois amigos conversavam. Miguel mais olhava o céu do que seu amigo. As palavras não lhe atraiam a atenção, não mais do que o céu estrelado sobre suas cabeças.
- Essa tal de São Paulo vai ser uma grande cidade. Você não acha, Miguel?
- Ah?! Ah, sim. Claro! – Depois de um breve silêncio, comentou. – Fernando, por que a gente não trabalha de noite?
- De noite? Que moléstia você tem, Miguel? De noite é escuro, não dá pra trabalhar.
- Mas as estrelas são tão brilhantes. Poderíamos trabalhar apenas com a luz delas. Aí, a gente não ia se cansar como se cansa de dia. E a gente pode se inspirar olhando o céu.
- E desde quando gente como nós precisa se inspirar, Miguel? Nosso negócio é levantar parede, muro, tijolo, fazer caminhos e outras coisas. Inspiração é pra burguesia, pra artista. Inspiração é pra aqueles que vão morar nessa São Paulo.
A conversa terminou, e ambos seguiram para suas casas. Eram humildes, mas estavam recebendo uma boa refeição e alguns tostões pelo serviço. Faziam parte de uma seleta mão-de-obra, responsável pela construção de uma grande cidade; da nossa São Paulo.
No dia seguinte, Fernando chamou Miguel, que preferiu ficar mais um pouco. Mas esse pouco durou a noite toda; noite, em que Miguel ergueu um comprido muro. O trabalho noturno tinha rendido, e não seria capaz de fazer tudo aquilo nem em dois dias de trabalho duro.
- Miguel. Você fez esse muro sozinho durante a noite? – Perguntou Fernando ao chegar no local de trabalho.
- Fiz sim. – Orgulhou-se. – Trabalhar de noite é melhor, mais calmo e com mais paz.
- E por que fez esse muro? Ele não vai servir pra nada.
- Serve sim Fernando. Ele pode servir para observar o céu. Ver as estrelas.
- Mas a cidade vai crescer. Talvez não seja mais possível vê-las. Ele vai ser esquecido no meio dos grandes casarões.
- É verdade. – Respondeu Miguel entristecido. – Talvez as pessoas se esqueçam de olhar para o céu.

...

Hoje aquele muro ainda existe. E é nele em que eu olho para o céu e vejo as estrelas.

Seus olhos

Suas doces palavras alfinetavam minha cabeça. Eu tentava pensar em uma coisa, mas elas me conduziam para outro lugar.
Fui transportado para lembranças que já estavam esquecidas. Momentos que haviam se apagado da minha memória.
O sorriso em seu rosto era como uma apunhalada nas costas, contrariando tudo o que eu estava tentando sentir. Ele dava forças às suas palavras, trazendo-me conforto e serenidade.
Sua pequena mão segurava a minha com firmeza e segurança. Era eu quem precisava do conforto. Como podia uma pequena criança trazer tanta sabedoria e tranqüilidade? Como poderia eu, comportar-me como se fosse indefeso diante dela?
Suas palavras conduziam-me ao lugar mais tranqüilo da face da terra, dizendo-me que tudo ia ficar bem. Aquele seu sorriso confirmava o que dizia, era impossível não acreditar.
Mas seus olhos, havia algo em seus olhos.
Somente quando eles se fecharam, quando a força de sua mão ao redor da minha diminuiu e o sopro de vida deu o último suspiro em seu peito, é que percebi que você mentia. Percebi que as coisas não ficariam bem.
Foi quando perdi minha filha que eu descobri que a boca e o corpo podem mentir, mas os olhos não.

Dono da razão

O que é que aquele velho sabe? Ele sempre está se metendo na minha vida. Risc, risc. Já sou um homem maduro, tenho consciência daquilo que estou fazendo e das decisões que estou tomando. Risc, risc. Trabalhei duro para conquistar tudo que tenho e o suor foi meu. Eu decido o que vou fazer. Risc, risc.
Eu vou seguir em frente com meus acordos e meus negócios, tenho certeza que ganharei mais dinheiro do que já tenho e aí jogarei, com orgulho, essa verdade na cara daquele velho. Risc, risc. Aquele encardido só sabe palpitar. Odeio pessoas intrometidas. Risc, risc.
Perdi minha família e meus herdeiros, não tenho que me preocupar com mais nada além de mim. Se eu corro risco, o problema é meu! Risc, risc. Sempre me deito com a consciência tranqüila, mas aquela maldita voz permanece em meus ouvidos. Risc, risc. E pra piorar, aquele velho babão não consegue nem mesmo falar direito. Afinal, quantos dentes sobraram na sua boca? Risc, risc.
O tempo passou e meus negócios não prosperaram como eu imaginei. Não tem coisa pior nesse mundo do que ouvir aquele idiota dizer: “Eu falei!”. Risc, risc. O ancião tinha razão, mas foi pura sorte. As chances eram 50-50. Apostei que daria certo, e o babaca fez questão de me contrariar dizendo que não daria. Risc, risc.
A única propriedade que me restou foi a velha fazenda que pertenceu a ele. Na verdade, acho que foi ele quem construiu essa espelunca que está a ponto de despencar. Risc, risc. Eu nunca odiei tanto uma pessoa como odeio esse velho intrometido. Se existe alguma coisa no mundo que possa trazer azar para alguém, essa coisa é a múmia ambulante que está no quarto ao lado. Risc, risc.
Estou aqui pensando... Sou tão azarado que esse velho, mesmo estando com um pé na cova, vai viver mais do que eu. Risc, risc. Eu poderia mudar isso, sei disso. Mas eu aposto o coração que bate no meu peito que se eu falasse que viveria menos do que ele, o maldito se jogaria do penhasco apenas para ter a razão, como sempre teve. Risc, risc. Ele faria isso e gritaria, “você se enganou de novo!”. Eu não suportaria.
Então, dessa vez eu não deixarei que ele seja o dono da razão. Risc, risc. Pelo menos uma vez em minha vida vou tomar uma decisão que ele não terá como me contrariar e ainda por cima sair com razão. Risc, risc. Hoje, esse velho otário vai ver só. Quem ele pensa que é? Risc, risc. O que é que ele pensa que sabe? Ele não sabe de nada!
Ele pode ser mais experiente, ele pode ter vivido mais tempo do que eu. Pode até mesmo já ter passado por tudo que eu passei e ter aprendido com isso. Risc, risc. Mas isso não lhe dá o direito de palpitar e contrariar minhas decisões. Ainda por cima, teima em estar certo quando me repreende. Risc, risc. Hoje eu acabo com ele.
Passo o dedo pela lâmina. Risc, risc. Sim, está extremamente afiada. Risc, risc. Corto aquela maldita língua junto com suas sempre-certas-decisões. Risc, risc. Aproximo dele e não faço a menor questão em me esconder, a decisão é minha e ele não pode me contrariar. Risc, risc. Hoje, sou eu que tenho a razão. Ele vai morrer.
- Você vai me matar – ele afirmou com a voz calma e cuspida entre as gengivas banguelas.
Aquilo me congelou, paralisou meu sangue e me deixou desconcertado. Maldição! Que velho filho da puta! Eu não posso deixá-lo morrer tendo razão. Risc, risc. Confiro a lâmina e o fio está mais afiado do que nunca. Risc, risc. Penso por alguns instantes e, por fim, dou uma gargalhada. Risc, risc. Os olhos castigados pela catarata se arregalam ao ver a lâmina passando pelo pescoço em um movimento rápido e decidido.
Minha visão começou a ficar turva, senti o sangue escorrendo pelo extenso corte que fiz; o ar não chegou mais em meus pulmões. Quase não senti dor, pelo contrário, senti a melhor sensação da minha vida. Dessa vez ele não teve razão. Hoje, eu morri com a razão!

Até o fim

Eu não consigo descrever a dor que senti e que ainda sinto. O sofrimento me fez abrir os olhos para diversas coisas das quais antes eu não podia ver. Hoje sou uma nova pessoa, com novos pensamentos. Lamento não poder me tornar uma velha pessoa.

Eu olho para meu reflexo e não me reconheço. Meu cabelo mudou, meu rosto mudou e minha voz mudou completamente – isso quando consigo ouvi-la. Mas fico feliz por ter mudado minha forma de pensar e de ver as coisas. Meus amigos sempre me trazem sorrisos, esperança e conforto. Neles encontro a força que, algumas vezes, falta em mim. É neles que vejo um motivo para continuar batalhando, continuar lutando. Continuar vivendo.

Vejo no rosto dos meus pais o orgulho de ter suportado todas as dores pelas quais eu passei até hoje. Vejo em seus sorrisos a gratidão e vejo em suas lágrimas a saudade que já incomoda. Mas eu ainda não parti, ainda não. Mesmo tendo que re-aprender a respirar... eu ainda estou aqui.

As luzes já perturbam os meus olhos, mas continuo sendo abençoado pelos sorrisos, pelos gestos e toques. Não me passa pela cabeça querer desistir, eu já cheguei até aqui e não irei olhar para trás. Seria muito fácil deixar tudo de lado, mas eu escolhi fechar os meus olhos e respirar. Inspirar, expirar, viver, até o final da batalha. Até o final.

Não lhes digo que estou satisfeito, mas estou contente por ter chegado até aqui. Eu sei que seria fácil desistir, mas eu não farei isso. Chegarei até o final e até lá, irei respirar. Alimentando-me dos sorrisos eu seguirei em frente e não irei mais olhar meu reflexo. Aquele não sou eu.

Você pode se aproximar e chorar, lamentar o que está acontecendo comigo, mas não precisa se comover, eu estou bem, estou vivo. Inspirando, expirando... respirando. Venha até mim, dê-me um abraço, mostre-me um sorriso e lhe mostrarei que isso é o bastante para que eu continue até o final. Eu não deixarei de acreditar, não deixarei de lutar até que a luz se torne escuridão.

Aproxime-se, não consigo falar tão alto como antes. É difícil falar quando se faz um tremendo esforço para respirar. Não tema, o meu mal não irá alcança-lo; irei leva-lo comigo, até o fim. Inspirando e expirando... até o fim, respirando.

Estou definhando, a dor me tira lágrimas e mesmo cercado de sorrisos eu sinto muita dificuldade para manter a força de semanas atrás. Continuo lutando, e não deixarei de respirar. Não queira passar pelo que estou passando, não queira amenizar meu sofrimento com lágrimas e não queira me acompanhar quando eu deixar de inspirar, ou expirar.

Fecho os olhos, poupo energias e concentro a força para manter minha respiração e para me manter consciente. Não desistirei; vou persistir. Hoje sou uma nova pessoa, com novos pensamentos. Lamento não poder me tornar uma velha pessoa. Foi passando por isso que eu comecei a acreditar; foi só agora, que comecei a enxergar. Só hoje sei que cheguei aqui porque lutei. E eu lutei.

Beije minha testa, deite-se ao redor dos meus braços, dê-me alguns sorrisos. Alimente-me com essa fonte que irá prolongar a minha força. Não deixarei as luzes se apagarem, eu irei continuar vivo. Segure minha mão, fique comigo, pois continuarei aqui. Não direi adeus.

Inspirando, expirando. Respirando, até o fim... Até o fim.

Eu era uma criança

Eu era uma criança. Olhava para o céu, e ingênuo me perguntava quão grande ele poderia ser. Eu observava o mundo e não enxergava a doença que existia nele. Eu via o por do sol, e nele eu não via maldade; apenas um dia que partia, para dar lugar à noite. Quantas vezes eu não fitei o céu e me perguntei: Quantas estrelas devem existir? Não sei como, mesmo temendo o escuro, eu aprendi a amar a noite. Venha noite e devore o dia que está acabando. Derrame seu véu e coloque um sorriso no rosto dos casais apaixonados.

Mas eu não sabia disso tudo. Eu era uma criança. E naquela época, eu me lembro de assistir desenhos, de ver coisas engraçadas e educativas na tv. Eu me lembro de ver o céu escurecer brincando de queimada com meus amigos. Ah, quantas vezes eu não fui atingido, e neguei até que todos realmente acreditassem em mim? Eu não tinha maldade nos olhos, e por isso, não temia ao cruzar com um estranho. Eu era feliz, eu era uma criança.

As coisas não mudaram ao redor de mim. A violência não aumentou, as mortes continuaram, e o sol continua a se deitar no mesmo horizonte que antes. Continua tão belo quanto antes. E a noite? Mesmo depois de tantos anos, ela continua linda, e às vezes ainda me faz perguntar... 'Quantas estrelas existem no céu?'. O vento sopra, e dessa vez eu sinto o cheiro no ar, um cheiro que não sentia quando eu era uma criança, o cheiro do perigo: Um estranho se aproxima, seria ele um bandido, ou um seqüestrador? Ah, como eu queria voltar para aquele tempo, onde meus olhos não enxergavam essas coisas. Voltar no tempo onde eu ainda era uma criança.

As crianças de hoje não mais brincam de queimada. Será que elas ao menos sabem que brincadeira é essa? Hoje elas jogam videogames, conversam pela internet, e o papai Noel... Bom, o doce e gentil velhinho não mais traz carrinhos e bonecas. Hoje ele trás celulares.
Imagino qual será a programação que as crianças mais gostam na TV nos dias de hoje... Aposto que são os programas de palco que passam aos domingo. Ou seriam aqueles programas que ficam falando sobre a vida dos outros? Ah, como eu queria voltar a assistir desenhos. Meus olhos não mais encontram crianças como antes. Meus olhos não encontram a inocência que tive. Ou será que ainda tenho?

Eu era uma criança. Eu olhava para o céu, e ingênuo eu afirmava: vou ensinar o meu filho a andar de patins. Eu era uma criança e afirmava: vou mostrar os desenhos do pica pau para meu filho. Eu era uma criança e afirmava: vou correr com meu filho pela grama do parque e cobri-lo de carinho. Mas, hoje eu não sou uma criança. Olho para o céu e não consigo ver as estrelas como antigamente. Tento ficar em silêncio, mas ouço gritos, choros, lamentações... O que aconteceu?

Eu era uma criança. E naquela época, não enxergava os problemas. Ou será que eles não existiam? Hoje eu olho para o céu e rezo. Rezo para que um dia meus filhos olhem para o céu. Rezo para que eles possam brincar pelas ruas sem sentir aquele cheiro da maldade. Rezo para que, ao contrário de mim, a esperança não perca a força com o tempo. Pois o tempo me mostrou que, o por do sol vai continuar lindo como antes, e para que isso aconteça, nós não podemos deixar que os nossos olhos mudem.

Estou pensando em todas as coisas que fiz, e não me arrependo de nada. Só me arrependo de ter deixado uma parte da criança que existe em mim, envelhecer. Mas sei que continuarei olhando o céu, e com certeza voltarei a ver as estrelas. Elas sempre estiveram lá.

Eu era uma criança e olhava o céu, e naquela época, não fazia idéia de que hoje eu estaria na frente de um computador lamentando da inocência que eu vivi... Mas, que graças a Deus, eu não esqueci!

Alice

Ninguém suspeitou no principio, mas Alice sempre foi uma pessoa diferente. Fisicamente, não era possível precisar quando, como e, principalmente, por que; mas ela havia mudado. A pequena criança não havia nascido com olhos negros como a noite que se destacavam no rosto pálido e triangular. Assim como, não tinha cabelos lisos e tão escuros quanto seus olhos. Ela tinha mudado. Seu temperamento era imprevisível e seu humor... não estava lá.

Sua vida era privada do contato com o mundo externo, não se sabe dizer se foi por proteção ou medo, por parte de seus pais.

Alice tinha apenas sete anos quando aquele trágico acontecimento foi descoberto na pacata cidade em que morava com seus pais. Os vizinhos notaram uma monotonia fora do normal e chamaram a polícia. Gritaram pelo nome de todos, mas na ausência de resposta, a polícia invadiu. O segundo policial trombou no primeiro, que ficou paralisado ao entrar no corredor da casa. Na outra ponta, iluminada pela pouca claridade que entrava por alguma janela da cozinha, estava a pequena Alice, com um vestido azul coberto de sangue. A garota segurava nas mãos uma faca e olhava através da densa franja negra que lhe caia sobre o rosto. Os policiais avançaram lentamente e diante da indiferença da garota, que parecia estar hipnotizada, tiraram a faca da sua mão. Mais ao lado, encontraram o corpo dos pais de Alice, mortos há pelo menos dois dias.

Para uma cidade pacata e com poucos recursos, em nenhum momento passou pela cabeça das autoridades que aquela pequena criança pudesse ter sido responsável pela morte dos pais. Foi concluído que, perturbada e traumatizada, a garota ficou de pé, em estado de choque, por dois dias, segurando a arma que, ou o pai ou a mãe, teria usado para assassinar o parceiro e, em seguida, se matar. Foi levantada a possibilidade de mandar a garota para alguma clinica, mas encontraram os únicos parentes vivos da garota numa cidade não muito distante de lá.

Alice foi para a casa dos tios, que a colocaram em uma escola. Em poucos dias tiveram reclamações a respeito do comportamento agressivo da garota e, para evitar maiores constrangimentos, resolveram mantê-la dentro casa.

A cidade dos tios era ainda menor do que a cidade que morava com seus pais. Em função disso, todos tinham constante contato com o delegado.

No inicio, seus tios tentaram evitar comentários e explicaram para o delegado que a garota tinha um comportamento tímido e por isso que a afastaram da escola, mas com o passar do tempo, revelaram ao oficial que a jovem menina tinha surtos de agressividade que chegavam a assustar.

Certo dia, o delegado recebeu uma ligação dos tios de Alice. Antes que algo pudesse ser dito de forma clara, a linha caiu. Achando a situação suspeita, o delegado se dirigiu até a casa da família para averiguar. Não teve dificuldade para entrar na casa e logo se colocou em alerta ao ver sangue no chão. A mancha de sangue o levou até a cozinha, onde encontrou o casal estendido sem vida no chão. No canto oposto, próximo a pia, estava Alice. A garota estava imóvel e, usando um vestido azul coberto de sangue, segurava uma faca.Assustado, o policial correu para o carro patrulha para pedir reforços e uma ambulância. Voltou com a arma em punho e ao entrar na cozinha, não pode acreditar no que estava vendo. No lugar em que a menina estava, havia outro corpo no chão, com os pulsos cortados. A menina aparentava a mesma idade e usava o mesmo vestido que tinha visto em Alice, porém a garota era loira, de cabelos cacheados e olhos azuis. O delegado não sabia, mas diante dele estava o corpo morto da verdadeira Alice.

Dia qualquer

Não passa de um dia, assim como aniversário, ano novo ou dia das mães. Um dia qualquer. Se realmente pararmos para pensar, todas essas datas são tão vazias, são apenas datas. Nosso comportamento é falso, pois em dias como esses nós mudamos nosso comportamento. Pensamos nas coisas erradas e certas que fizemos. Planejamos os próximos passos, almejamos conquistas e ponderamos deslizes.

Não quero ser esse tipo de pessoa. Quero ser aquela pessoa que faz isso a cada dia do ano. Não vou aparecer no horário, com um presente na mão, sendo que me atrasei todos os demais dias do ano. Não abrirei a porta do carro para você descer no momento em que chegarmos a um restaurante requintado. Pois não quero ser esse tipo de pessoa.

Não lhe darei um cartão meloso e repleto de promessas. Nem mesmo irei de bom grado naquele almoço de família e ter que agüentar a sua mãe falando que eu engordei e que eu preciso me cuidar. Não sou esse tipo de pessoa.

Você não vai provar um beijo diferente no dia de hoje, nem mesmo beber uma taça de vinho tinto de uma safra italiana produzida num ano que nem mesmo o meu avô tinha nascido. Hoje não! Pois eu não sou esse tipo de pessoa.

Você me conhece, afinal, namoramos há tanto tempo. Você sabe que tipo de pessoa eu sou. Então, meu amor, na data de hoje, vamos pedir uma pizza e beber coca-cola no sofá da sua casa. Você me conhece. Todos os dias do ano eu cheguei no horário, diversas vezes apareci com um cartão meloso ou um presente nas mãos. Não paro de criar planos ao seu lado, assim como não paro de cobri-la de beijos. Uma vez a cada quinze dias eu passo o dia com a minha segunda mãe e ela sempre se preocupa com a minha saúde. Não teve um só dia em que você entrou no carro sem que eu lhe abrisse a porta, salvo uma vez ao mês quando vamos ao restaurante requintado e o manobrista faz isso por mim.

Você me conhece, e sabe que o que sinto por você é maior a cada dia, não apenas maior no dia de hoje. Você me conhece tão bem, que sabe que eu estou com ressaca daquele vinho do século passado que tomamos ontem. Então, sente aqui do meu lado, vamos ver que filme está passando, pois a pizza logo vai chegar e eu quero você por perto para comemorar o dia de hoje, afinal, não passa de um dia qualquer. Feliz dia dos namorados, meu amor!

Artista


"Ele chuta a bola
e quebra meu vaso.
Está sempre aprontando alguma,
e por isso me atraso.

Pede batata frita,
hamburguer e salgadinho.
Mas ele desaparece quando eu grito:
Hora do 'bainhooo'!

Não faz nenhuma lição,
e só pensa em brincar.
Chega em casa coberto de lama,
e com pique para aprontar.

Não adianta dar castigo,
nem mesmo sermão.
Já tentei contar até três,
e até descer a mão.

Ele é incorrigível,
Mesmo assim, meu coração não se parte.
A mãe sempre ama seu filho,
mesmo ele só fazendo arte!"

Grave!

É engraçado sair a noite, ver o agito dos bares, casas noturnas e restaurantes. Meus amigos são muito solidários e nunca me deixaram de fora de nenhuma dessas badaladas noites de farra. Mulheres lindas dançam. Eu flerto com elas, mas me mantenho alheio da pista de dança. Fico com minha bebida gelada na mão, o pé e a cabeça balançando suavemente de acordo com o grave que faz tremer os copos e garrafas. O grave faz tremer o meu peito!

As garotas pensam que sou tímido, mas a verdade é que eu sou na minha. Confesso que uma vez ou outra, tento roubar um beijo, mas isso não é freqüente. Algumas mulheres se aproximam, jogam o seu charme e eu hesito. Sorrio, troco olhares, mas fico no meu canto.

Sou modesto, mas deixarei a modéstia de lado para dizer que sou um cara atraente. Minha franja jogada, meu sorriso sedutor e meu olhar frio fazem um tremendo sucesso. Esse sucesso faz algumas garotas chegarem em mim. Mas as únicas que provaram do meu beijo foram aquelas que chegaram e me beijaram. As outras, pulei fora. É terrível dizer, mas pulei fora.

O final da noite é sempre o mesmo: meus amigos tirando sarro de mim por sair zerado da balada. Eu não ligo, pois sei que eles estão apenas brincando. São irmãos de verdade dos quais jamais encontrarei igual. Eles não sabem como é, mas fazem idéia.

Adoro a noite e adoro sair para baladas. A música eletrônica é a minha religião. Não tente me levar para um forró, um samba ou show de rock, pois em todos esses lugares eu vou sentir a falta do grave.

Algumas noites, mesmo com o som bem alto da balada, fico pra baixo. Difícil encontrar alguém que não se anime com a música, afinal, é algo que nos faz bem. Mas mesmo assim, eu entristeço em alguns momentos. E isso acontece sempre quando as músicas não têm grave. Quando isso acontece, os copos não vibram. O meu peito não vibra. Quando isso acontece, eu não sinto a música.

Você não faz idéia de como é triste nunca ter ouvido o som de qualquer coisa. Você não imagina como é viver sem nunca ter ouvido música... Eu não posso ouvir, apenas sentir. E é por isso que, para eu estar bem e para a música ser boa, essa música tem que ter grave! Só assim, serei capaz de sentir a música.

Olha a ventaniaaaa!

“Tomba pra cá,
tomba para lá.
Fala com pessoas que,
nem sempre estão lá.

Um olho pra esquerda,
o outro pra frente.
Sempre trazendo um sorriso,
mas quase sempre sem dentes.

Arrota e peida.
Coça o saco e xinga.
Se fosse uma planta, eu diria:
“Xi, essa não vinga!“

Conversa com todos,
Não tem vergonha de nada.
Quando não está dormindo,
Está fazendo alguém dar risada.

Alguns sentem pena,
outros fingem não ver.
Mas todos queriam ser pinguços,
Para cair de tanto beber...”

Grades na janela

É engraçado como o ser humano é uma criatura burra. Quantas vezes passamos o dia inteiro sem dar um único sorriso? Quantas vezes nos deitamos sem dizer para a pessoa que divide a cama conosco que nós a amamos? Isso parece um clichê. Sim, eu me lembro. É um clichê. Clichê daqueles milhares de e-mails que recebi. Todos traziam uma maldita apresentação em power point com imagens de crianças, animais, cenários e todas as demais coisas agradáveis que podem tocar nosso coração. Alguns eram acompanhados de uma bonita melodia, mas todos vinham com dizeres apelativos. Sorria! Diga bom dia e obrigado! Não deixe de dizer que sente saudades de alguém! Diga que ama seus filhos e seus pais! Enfim, um clichê na vida de qualquer pessoa que possui um e-mail.

Mas sabe, às vezes deixamos algumas coisas passarem e... nós não deveríamos deixar! Pelo menos, não tão rápido como às vezes passam. Mas nós somos burros, certo? Somos aquela raça que domina o planeta, mas que é incapaz de fazer a coisa certa – na maior parte do tempo.

É exatamente aquilo que venho dizendo, só daremos valor para as coisas que nos importa, quando perdemos. Não adianta passar mais correntes em power point, não adianta eu lhe dar conselhos, isso não vai mudar. Existem coisas que não mudam. O ser humano é burro e só vai dar valor quando perder. É assim que as coisas são. Não foi diferente comigo.

Você sempre pediu para botar grades na janela, mas eu nunca lhe dei ouvidos. Não havia motivos para gastar dinheiro com uma maldita grade. Mulher gosta de gastar dinheiro à toa. A sua desculpa era sempre a mesma, que seria para proteger nossa casa quando tivéssemos nossos filhos. Mas nós nem tínhamos filhos, para que pensar nisso agora? Ontem nós discutimos e o motivo foi o mesmo de sempre: a grade na janela. Dormi na sala para não ter que ouvir você reclamar e, quando acordei e entrei no quarto, fiquei olhando você dormir por alguns instantes. Pensei em te acordar, mas me lembrei da nossa última briga e a raiva voltou a me perturbar. Apenas saí. Quando fechei a porta de casa, fingi não ter ouvido você me chamar. Não queria dar o braço a torcer, apenas saí.

Ah se eu soubesse que aquela seria a última vez que ouviria a sua voz. Eu teria voltado. Teria ficado em casa, ao invés de ter saído para trabalhar. Se eu pudesse voltar no tempo... É o que todos nós pensamos depois de perder alguma coisa que realmente nos importa.

Quando cheguei em casa, achei estranho você não ter vindo me receber. Achei mais estranho ainda quando vi algumas coisas bagunçadas, jogadas e espalhadas pela casa. Corri para nosso quarto e encontrei você deitada no chão. Meu coração batia forte. Havia sangue em sua roupa e vidro espalhado pelo chão. Apesar de burro, não precisei de muito tempo para entender que haviam entrado em casa, justamente pela janela – que não tinha grades. O sangue saía de um ferimento causado por um tiro que foi dado em seu peito, ou em suas costas, não sei dizer. Só sei que você tinha razão. Deveríamos ter colocado grades nas janelas.

Como eu disse antes, o ser humano é burro. Pois só sente falta daquilo que perde. Sinto falta da minha mulher, mesmo tendo perdido ela há algumas horas. Já sinto saudades. Queria tanto poder voltar no tempo e acordá-la com um beijo. Ou então, ter me virado quando ela chamou por mim. Queria pedir-lhe desculpas. Dizer-lhe que se queria grades nas janelas, nós colocaríamos. Queria apenas poder dizer o quanto eu a amava...

Meus olhos estão pesados, cada vez mais pesados. O som não chega ao meu ouvido como antes. Sinto-me fraco e vulnerável, mas mesmo assim, continuo sorrindo. Eu não tomaria essa decisão, e talvez essa seria outra coisa a qual eu me arrependeria um dia. Quem sabe? Mas ao ver aquele pedaço de papel no chão, não tive escolhas a não ser segui-la. A consciência que me resta vai se esvaindo, assim como o sangue dos meus pulsos. Observo o caminho que ele faz no chão do nosso quarto e fico feliz em ver que o meu sangue se junta com o seu. O rubro líquido se funde no chão, formando uma só poça. Nós fomos um só. Agora, meu corpo tomba sobre o seu. Dois seres humanos que viveram como um só, mas em instantes não passaremos de corpos. Alguns dirão que são dois, mas estarão enganados, pois somos três. Aquele papel dizia que era hora de colocar as grades na janela. Grades para proteger nossa casa quando tivéssemos filhos. Nós íamos ter um filho.

Amor de infância


Quando estou ao seu lado, já sinto algo remexendo minha cabeça, você me enlouquece. O simples toque de sua pele na minha, é o bastante para me fazer fechar os olhos e não querer mais abrir. Ao te abraçar, sinto o suave cheiro de seu perfume e a pele macia de seu pescoço me convida a beijá-la. Beijo e sinto suas unhas se arrastando pelas minhas costas. Eu sei que você gosta disso. Delicadamente percorro o seu pescoço e alcanço sua orelha. Sinto seu corpo retorcer em meu abraço, sei que você adora isso.
Não adianta sussurrar em meu ouvido e dizer que estou judiando de você, pois toda vez que pergunto se quer que eu pare, você diz que não com a cabeça e com os lábios você me beija, pedindo mais. Minha mão se fecha sobre seus seios, firmes e rijos. Não poderia querer outro tamanho, eles se encaixam na minha mão como se fossem feitos para mim. Você joga a cabeça para trás, deixando escapar uma respiração mais intensa, na inútil tentativa de evitar o gemido.
Depois de judiar de você, continuo seguindo meu caminho. Enquanto minhas mãos apertam sua deliciosa bunda, minha língua deixou para trás seus mamilos e se posiciona para contornar seu umbigo. Nesse momento, fico em dúvida se gosta mais da minha língua em seu umbigo, ou se das minhas mãos te massageando.
Trago minhas mãos para frente e habilmente desabotôo o botão da sua calça jeans e desço o zíper. Estrategicamente ofereço minha orelha para que seja beijada e lambida; na verdade, quero estar próximo da sua boca para ouvi-la sentindo prazer. Meus dedos já ultrapassam o elástico da sua calcinha e brincam delicadamente sobre seus pêlos pubianos. Não preciso de olhos para saber que seu ‘penteado’ está do jeito que gosto – curto e retangular.
Adoro brincar em sua virilha, isso faz a expectativa aumentar. Meu dedo desce suavemente entre suas pernas e a resposta à minha ação vêm pelos dois lados: o gemido em meu ouvido – eu adoro isso – e a contração de suas pernas ao redor da minha mão. O mel do seu corpo lambuza minha mão e sua respiração em meu ouvido é algo que me deixa entorpecido. Sei que você ama isso.
Não se passa muito tempo até você voltar a sussurrar em meu ouvido: “Agora, você está judiando muito, muito, muito mesmo!”. Pergunto se quer que eu pare e você diz que sim. O sorriso em seu rosto é a prova de que também queria mais, mas não faz mal. Sei que precisa de tempo para que as coisas aconteçam na hora e no local certo, eu não tenho pressa. Afinal, temos todo o tempo do mundo.

Eterna solidão

Meus olhos se fecharam para tentar conter as lágrimas, mas foi inútil. Faixas grossas e rubras cortaram o meu imaculado rosto lamentando a sua partida. Como é possível esquecer essa dor em tão pouco tempo? Há tanto conhecimento e sabedoria dentro de mim que às vezes sinto como se eu fosse explodir. Mas mesmo assim, eu continuo esquecendo a terrível dor de perder alguém. Essa lição eu ainda não aprendi.
Poder, força, dinheiro e a vida além de qualquer compreensão. Sou aquilo que muitos gostariam de ser. Pobres infelizes, não sabem que eu seria capaz de qualquer coisa para estar no lugar de vocês. Não fazem idéia de como é passar ano após ano, década após década...(suspiro). Século após século e continuar sendo a mesma coisa vazia.
Como é difícil superar o fato de perder alguém. Não é a primeira vez, não será a última. Farei isso ao longo dos séculos, assim como tenho feito. Caminhando nesse mundo como um ser errante, amante. Não me lembro da minha origem, não faço a menor idéia de qual é o meu destino. Apenas caminho, alheio a qualquer coisa. Preencho meu coração com amores passageiros, que sempre irão ficar ao longo do meu trajeto. E a cada amor perdido, eu choro e lamento pelo vazio que fica dentro do meu peito. Eu poderia evitar essa sensação e seguir minha jornada sem me envolver com ninguém, mas confesso que nem mesmo eu sou forte o bastante para viver dessa forma. Quem conseguiria viver dessa forma?
Você se foi e preciso enxugar as lágrimas; tirar o sangue que mancha o meu rosto. Preciso descansar o corpo para o amanhecer que se aproxima; preparar meu peito para ocupá-lo com um novo amor. Mas essa noite, não. Essa noite serei aquilo que sempre sou quando perco um amor... Um ser imortal, incapaz de ter uma vida ao lado de alguém. Um vampiro destinado a caminhar ao lado do tempo, deixando as coisas que ama para trás. Uma criatura sozinha. Vazia. Oca!

Você não me conhece

A gravata bem feita e a camisa de gola engomada podem te levar ao equívoco. Algumas coisas podem ser ditas através de uma rápida observação, outras não.

Sei como a lâmina do frio corta. Minha pele foi cortada inúmeras vezes por esse metal. Também sei como o ronronar da fome dói, pois ficar horas sem comer não é nada para quem passou dias. Talvez você saiba como é ruim andar algumas quadras com um sapato apertado, mas experimente caminhar meses sem um calçado no pé.

Calos, bolhas, cortes, assaduras. Dores. Você não sabe o que é sentir dor, eu sei! Eu passei por coisas que você jamais imaginou.

Não se iluda com o meu cabelo penteado e o cheiro do perfume que sente ao cruzar comigo no corredor. Você não me conhece. Não pense que cheguei aqui por sorte.

Roubei, pois tinha fome, frio, sede. Nunca tive dinheiro nas mãos para me livrar desses fantasmas. Se não estudei na hora certa, foi porque não tive a oportunidade. Mas nada disso é capaz de ditar meu comportamento. Não me venha com essa de destino. O destino é refúgio para fracos que não têm coragem de mudar sua própria condição. Eu lutei, eu me esforcei. Eu venci! Mudei aquilo que você diria ser o meu destino. Minha escolha foi deixar de ser pobre.

Supletivo, cursos públicos, dedicação e garra. Decidi mudar minha vida, e foi assim que superei o frio, a fome e a sede. Foi assim que conquistei um teto e não um concreto qualquer para ficar entre meus olhos e a poluição do céu.

Pensa que o carro que dirijo foi presente do meu pai? Acha que a casa que tenho foi feita por um arquiteto famoso? Não se precipite.

Meu passado me fez ser quem sou hoje. Então, não me julgue antes de ver os calos em minhas mãos e as cicatrizes nos meus pés. Você não me conhece.