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Saindo do poço


Andei pensando na culpa, e na desculpa.
Pensando nas dores e nos desamores...
Me culpo...
Por pensar e acreditar que é você minha salvação.

Estou no fundo do poço,
Olho para cima e vejo mãos...
Querem me socorrer...
Mas entre tantas, só reconheço a sua.
São só as suas que eu quero ver.
Mas você vira as costas.
Quer ficar só.
Sim, se preocupa comigo ali no poço...
Mas nada pode fazer.
Suas mãos não querem alcançar as minhas.

Não quer laços ou "nós".
Enquanto as minhas, só pretendem alcançar as suas...
E eu não me canso.
E de cair tanto,
Minhas feridas já não doem mais.
E por tanto esperar,
As outras mãos estendidas outrora,
Se cansaram, foram embora.
E não há mais em quem me segurar.
Agora sou eu.
Eu e minha solidão no fundo do poço.

Eu e minhas feridas ainda abertas,
E já tão anestesiadas pela própria dor.
Eu e minhas garras,
Que saem de não sei onde...
Devem sair das entranhas da saudade.
Ou da frieza do abandono.
E eu escalo o poço...
Subo, subo e subo...
Saio de lá...
E me ponho de pé.

E a vontade de viver e ver o sol é tantaque não reconheço o cansaço.
Estou salva, agora.

Com unhas desfeitas, sem gloss, sem rímel.
Mas estou de pé e meus olhos brilham...

Encontrei algo no fundo do poço.
E trouxe comigo para ver o sol.
Para estar comigo sem se ocultar:
A força que antes eu pensava vir de você.
Não me avisou que ela estava o tempo todo em mim.

Logo você que sempre soube de tudo.
Passei tanto tempo no escuro e no frio.
Que desfiz as amarras dos meus sonhos.
Enquanto nada tinha a fazer senão sentir o frio...
E nada ver no escuro, a não ser a sua imagem que eu projetava como luz.

Os sonhos agora podem ultrapassar as barreiras que cercavam você e eu.
Destruí as grades que prendiam minha força,
Meus desejos e minha felicidade.

E o que antes eu pensava encontrar só em você,
Encontro agora nas minhas unhas sujas,
Nos meus cabelos desfeitos, e até nas dores musculares causadas no escalar do poço.

Sem as suas mãos, confirmei que eu consigo sozinha.
E afirmei que elas não mais estão dispostas às minhas.
E ainda assim,
Seguirei sorrindo, feliz...

Disposta a encontrar o que eu denominei felicidade!

Grades na janela

É engraçado como o ser humano é uma criatura burra. Quantas vezes passamos o dia inteiro sem dar um único sorriso? Quantas vezes nos deitamos sem dizer para a pessoa que divide a cama conosco que nós a amamos? Isso parece um clichê. Sim, eu me lembro. É um clichê. Clichê daqueles milhares de e-mails que recebi. Todos traziam uma maldita apresentação em power point com imagens de crianças, animais, cenários e todas as demais coisas agradáveis que podem tocar nosso coração. Alguns eram acompanhados de uma bonita melodia, mas todos vinham com dizeres apelativos. Sorria! Diga bom dia e obrigado! Não deixe de dizer que sente saudades de alguém! Diga que ama seus filhos e seus pais! Enfim, um clichê na vida de qualquer pessoa que possui um e-mail.

Mas sabe, às vezes deixamos algumas coisas passarem e... nós não deveríamos deixar! Pelo menos, não tão rápido como às vezes passam. Mas nós somos burros, certo? Somos aquela raça que domina o planeta, mas que é incapaz de fazer a coisa certa – na maior parte do tempo.

É exatamente aquilo que venho dizendo, só daremos valor para as coisas que nos importa, quando perdemos. Não adianta passar mais correntes em power point, não adianta eu lhe dar conselhos, isso não vai mudar. Existem coisas que não mudam. O ser humano é burro e só vai dar valor quando perder. É assim que as coisas são. Não foi diferente comigo.

Você sempre pediu para botar grades na janela, mas eu nunca lhe dei ouvidos. Não havia motivos para gastar dinheiro com uma maldita grade. Mulher gosta de gastar dinheiro à toa. A sua desculpa era sempre a mesma, que seria para proteger nossa casa quando tivéssemos nossos filhos. Mas nós nem tínhamos filhos, para que pensar nisso agora? Ontem nós discutimos e o motivo foi o mesmo de sempre: a grade na janela. Dormi na sala para não ter que ouvir você reclamar e, quando acordei e entrei no quarto, fiquei olhando você dormir por alguns instantes. Pensei em te acordar, mas me lembrei da nossa última briga e a raiva voltou a me perturbar. Apenas saí. Quando fechei a porta de casa, fingi não ter ouvido você me chamar. Não queria dar o braço a torcer, apenas saí.

Ah se eu soubesse que aquela seria a última vez que ouviria a sua voz. Eu teria voltado. Teria ficado em casa, ao invés de ter saído para trabalhar. Se eu pudesse voltar no tempo... É o que todos nós pensamos depois de perder alguma coisa que realmente nos importa.

Quando cheguei em casa, achei estranho você não ter vindo me receber. Achei mais estranho ainda quando vi algumas coisas bagunçadas, jogadas e espalhadas pela casa. Corri para nosso quarto e encontrei você deitada no chão. Meu coração batia forte. Havia sangue em sua roupa e vidro espalhado pelo chão. Apesar de burro, não precisei de muito tempo para entender que haviam entrado em casa, justamente pela janela – que não tinha grades. O sangue saía de um ferimento causado por um tiro que foi dado em seu peito, ou em suas costas, não sei dizer. Só sei que você tinha razão. Deveríamos ter colocado grades nas janelas.

Como eu disse antes, o ser humano é burro. Pois só sente falta daquilo que perde. Sinto falta da minha mulher, mesmo tendo perdido ela há algumas horas. Já sinto saudades. Queria tanto poder voltar no tempo e acordá-la com um beijo. Ou então, ter me virado quando ela chamou por mim. Queria pedir-lhe desculpas. Dizer-lhe que se queria grades nas janelas, nós colocaríamos. Queria apenas poder dizer o quanto eu a amava...

Meus olhos estão pesados, cada vez mais pesados. O som não chega ao meu ouvido como antes. Sinto-me fraco e vulnerável, mas mesmo assim, continuo sorrindo. Eu não tomaria essa decisão, e talvez essa seria outra coisa a qual eu me arrependeria um dia. Quem sabe? Mas ao ver aquele pedaço de papel no chão, não tive escolhas a não ser segui-la. A consciência que me resta vai se esvaindo, assim como o sangue dos meus pulsos. Observo o caminho que ele faz no chão do nosso quarto e fico feliz em ver que o meu sangue se junta com o seu. O rubro líquido se funde no chão, formando uma só poça. Nós fomos um só. Agora, meu corpo tomba sobre o seu. Dois seres humanos que viveram como um só, mas em instantes não passaremos de corpos. Alguns dirão que são dois, mas estarão enganados, pois somos três. Aquele papel dizia que era hora de colocar as grades na janela. Grades para proteger nossa casa quando tivéssemos filhos. Nós íamos ter um filho.

Lúcia


Sua mão formigava até a ponta dos dedos, ali, permaneceu deitado, noutro nível de razão. Na mesa de patina envelhecida, descansava os restos de cocaína e a vodka barata de uma viagem a mais da noite passada. Os quadros minimalistas caídos por cima do sofá plutônio e couro traziam a náusea da miséria dos últimos tempos.
Tudo escuro, inclusive o líquido coagulado no corpo sob a cama... Caminhando em direção ao banheiro ele limpa o vidro do espelho sujo e embaçado, o espírito ainda flutuante, caminha agora em direção à geladeira, passos arrastados, a boca ainda seca, se abre na tentativa de saciar a sede, mas o cheiro forte vindo do quarto anuncia nova náusea. Senta-se com esforço no chão do corredor cor de vinho e voltam os flashs sintomáticos aderidos ao fígado, estômago e traquéia que agora se fecha quase que completamente enquanto pouco a pouco volta a si....
Estava consumado: o bilhete, o telefonema, os gritos,o fim.
Arrastando-se rumo ao quarto, põe as mãos sob o lençol de lasie e afaga o antebraço de Lúcia, o corpo alvo já em estado inicial de putrefação, ainda conserva os cabelos loiros que ele tanto amava, o sangue empretecido secava na fenda formada em seu pescoço, ainda não consegue chorar, três dias talvez? E nem ao menos uma lágrima...
Voltando os olhares para a carreira de cocaína ainda deixada sob a mesa, esboça um sorriso de canto, brincando com o novo carrossel ainda não consumido, senta-se na mesa enquanto joga beijos na direção de Lúcia. Os móveis não estavam na posição que gostava, ficou ali imaginando se fora sua fúria que jogara os rastros de objetos ao redor ou se a deslealdade de Lúcia que o incitara a ter fúria. Logo ele, que apreciava a organização dos fatos e das coisas.
Tudo em seu devido lugar...os quadros quatro dedos acima do sofá, a mesa direcionada ao quarto, o espelho centralizado acima do lavatório, nada alterado, tudo na ordem de seu lar.
Um silêncio. As poças coaguladas em baixo da mesa o incomodaram, amanhã talvez retirasse um pouco dela...Voltou-se para sua infiel Lúcia, deitou ao seu lado. Tão linda...os cabelos ainda estavam loiros.