Medo


- Por que você não diz logo o que você sente por mim? - Disse ele enquanto ela se levantava da cama ainda nua, deixando o lençol escorrer pela pele, indo devagar em direção ao banheiro.

- Você precisa que eu fale para que você possa falar? Ela perguntou com uma voz rouca e calma e ele riu - Que eu saiba o nome disso é insegurança.

- Pára de besteira e diz logo que você me ama e que não consegue viver sem o meu pau. – Disse ele bem alto se esparramando na cama em estado de rei.

- Digo melhor: Quem dera o teu pau fosse grande como o teu ego. – Ela falou alto com raiva de mulher traída. Ele riu mais alto ainda em som de deboche.

- Agora a pouco você não estava reclamando de nada. Estava até pedindo mais. – Sentada na privada, ela enrugou a testa e bateu a porta do banheiro com raiva.

Ficou por um tempo lá dentro. Se olhou no espelho, chacoalhando a cabeça em negação, e ficou pensando em como ele tinha talento para estragar momentos que seriam bons. Talvez até perfeitos. Ele lá fora deitado na cama pensando nela lá dentro.

- Pára de palhaçada! Volta pra cama. Tá cedo, ainda dá pra dar mais umazinha.

Ela abriu a porta de súbito. Olhou para ele na cama com ar sério. Soprou o ar com raiva. Apagou a luz do banheiro e foi para a cozinha beber água. Ficou lá sentada nua na cadeira da cozinha se perguntando por que ainda se sujeitava a dormir com homens desse tipo.

- Já me cansei desses seus machismos imbecis. Não sei nem por que eu ainda te dou linha. Você não faz nada por mim! – Disse alto quase em voz de choro. Mas choro de raiva - Tem muito homem por aí me querendo e eu aqui perdendo o meu tempo com alguém feito você que não tem nem capacidade de dizer uma coisa bonita depois que me come.

Ele ficou sério. Olhou para o teto e respirou fundo. Talvez estivesse sentindo ciúmes. Ela não podia dizer, nem queria mais olhar para ele. Ele ligou o rádio que estava na cabeceira da cama. Ficou lá deitado pensando em coisa nenhuma cantarolando a música do U2 que tocava na rádio. Uma coisa estranha tocou sua barriga, lá dentro do estômago.

Não sentia essa coisa desde que era pequeno e ainda levava chineladas da mãe. Era um sentimento estranho que começava no estômago e ia subindo até o peito. Como se tivesse uma mão apertando tudo por dentro. Massageando devagar. Doía. Às vezes parecia uma coisa boa.

- Você acredita em amor ou promessa?

A pergunta chamou a atenção dela, que saiu em passos rápidos da cozinha em direção ao quarto, os cabelos voando para trás. E, quando sentou-se na cama sobre as próprias pernas apoiando as nádegas nos pés, os cabelos caíram sobre os seios. Ele achava lindo.

- Eu acredito em alma gêmea.

- Tá de brincadeira né?

- Eu acredito em alma, em uma coisa maior que o corpo, mas que está diretamente ligada a ele. - Gesticulava tentando fazê-lo entender. E suspirava em encanto - Eu não sei explicar. Mas eu sei que existe.

- Não sabia que você tinha esse lado religioso.

- Não é religião. Já reparou como cada pessoa é um pedaço da gente mesmo? É como se a gente tivesse vindo de uma coisa só. Essa coisa é o que eu chamo de alma. Na verdade, chamo assim por falta de um nome melhor.

- E a alma vai pro céu quando a gente morre? – Disse ele com um sorrisinho de deboche, com a boca de lado.

- Não, seu ridículo. A alma fica aqui se dividindo em mais almas e completando o sentido de mais pessoas.

- É uma coisa meio Clarice Lispector né?

- Não. O nome disso é fé.

- Já que você gosta de dar nome para as coisas, por que você não dá um nome pro que você sente por mim?

- Tesão. Serve?

- Não tem sentimento então?

- Tesão é sentimento.

- De todos o mais superficial.

- Talvez não. Porque o tesão é feito de instante. O amor precisa da saudade. E eu gosto do teu abraço de homem. Isso já me basta.

- E você já amou?

- Já amei minha mãe.

- Palhaçada! Já amou um homem como você me ama?

- Eu nunca disse que te amo. – Disse olhando nos olhos dele e levantando a sobrancelha.

- Ama só o meu pau então?

- Por que você tem que fazer isso sempre? A conversa tava boa. Por instante pensei até que você não fosse morto por dentro.

Ele olhou para baixo e disse bocejando:

- Amanhã eu acordo cedo.

- Boa noite.

Ela deitou lhe dando as costas. Puxou o lençol e se cobriu. Ele desligou o rádio e apagou o abajur. Hesitou na vontade que veio e que não sabia de onde. Aquela coisa que veio do estômago e foi para o peito: chamou isso de nó. O nó apertou fundo. Não agüentou mais e abraçou ela. Segurou sua mão, encaixando seus dedos nos dedos dela. E com a boca no ouvido dela disse baixinho:

- Eu te amo.

Ouviu num sussurro de resposta:

- Eu sei.

5 Recados:

Liza disse...

foi mal, gente.
mas não saiu sangue.

8/

M. D. Amado disse...

Tudo bem... Pela qualidade do texto a gente te perdoa rsrs

Leonardo Pezzella disse...

HEHEHE! Relaxa Liza...
Mesmo sem sangue, o conto está ótimo...

Curti!!
bjs,
£!

Click disse...

Se você se desculpar de novo eu te dou uma banda lá na Letras. Juro que faço isso! O conto é ótimo, a trama e o drama são sangrentos, sim senhorita! E digo mais:

"Já reparou como cada pessoa é um pedaço da gente mesmo? É como se a gente tivesse vindo de uma coisa só. Essa coisa é o que eu chamo de alma. Na verdade, chamo assim por falta de um nome melhor."

Ora, Liza, faça-me o favor! Repara: é na simplicidade que se jorra bem o sangue, mas devagarinho!

Click disse...

Agora, pensando no sangue, dá mais vontade ainda de te dar uma banda! Sorte que você tem charme andando com a bolsa de lado...