Clara



Subiu o primeiro degrau, o segundo. O vento bateu em seus fios dourados. Lá de cima Clara via as luzes da cidade. Como eram lindas! Imaginava o que as pessoas faziam com suas luzes naquele instante. A família se entretendo com a trama colorida da novela. Um grupo de jovens bebendo cerveja no bar de lustres antigos. O casal apaixonado num jantar a luz de velas. Pessoas dançando sob a luz fluorescente da discoteca. O homem de terno trancado em seu escritório com a luz azul do computador refletindo em seu rosto. Do alto do prédio, Clara podia ver todos eles. Todos aproveitando suas vidas, suas luzes. Tantas luzes!

Se lembrava de tudo o que a fez chegar até ali. Às vezes se sentia como um rato de laboratório correndo em sua roda incansavelmente. Corria e corria em direção a coisa alguma. Às vezes se sentia num reality show, assistida vinte e quatro horas por dia e sendo julgada cruelmente a cada coisa boa ou ruim que fazia. As coisas ruins sempre pesavam mais. Por mais que Clara fosse uma menina bonita, não tinha brilho próprio. Sempre a comparavam com alguém, uma atriz holliwoodiana, uma cantora de mpb. Ela montava e desmontava sonhos como brinquedos. Não levava seus namoricos a sério. Não sentia saudades de quem partia. Não conseguia ver sentido nas coisas. Nunca sentiu medo. Clara era triste a vida inteira.

Ela respirou fundo, soltou o ar. Estava certa do que faria. Até que o medo subiu frio pela espinha. Pela primeira vez, a vertigem. Um passo a mais e Clara apagaria a sua luz para sempre. Os táxis passavam com seus faróis altos. Uma lágrima brilhante escorria no rosto de Clara. Se sentiu tonta. Sabia que poderia cair dali de repente. Era uma sensação nunca experimentada. Clara se sentiu fora de sua jaula pela primeira vez.

Agora ali vendo de camarote todas as luzes da cidade, as luzes das pessoas, vendo a faísca que os carros faziam quando passavam em alta velocidade. A um passo do chão e do fim. Clara sentia o vento levando seus pedaços embora. Era pela primeira vez Clara.

Abriu os braços. Fechou os olhos. Levantou a perna direita, pronta para dar o passo final. Sentiu uma mão macia segurando sua mão. Esqueceu por um momento o que ia fazer e olhou para trás. Os olhos castanhos claros que lhe diziam para não pular. Olhos que brilhavam mais forte que o desejo de fim. E Clara encontrou a luz que procurava.

6 Recados:

Rodrigo Campos disse...

Caramba! Que historia triste! Pensei que ela iria pular, mas ainda bem que não! =)

Anônimo disse...

Muito bom! Me surpreendi com o final!

Anônimo disse...

..."Clara sentia o vento levando seus pedaços embora. Era pela primeira vez Clara". Singular e surpreendente esse conto Liza!

Alecrim disse...

Oi !
Olha só, indiquei seu blog para um selo, viu? Passa lá no contasverbais.blogspot.com e pega ele!

Passo aqui em uma ou outra volta que o mundo dá. Muitos olhares a cada texto, é só usar a lente certa.

Bjos!

K.Bianca Ferreira disse...

Lindo conto....
Adorei!
Emocionante... prende o leitor!

bjao

^^

Débora Andrade disse...

Nossa, Liza! As palavras, os sentimentos e as pessoas são um tanto parecidas, não? Lindo o conto! E, realmente, faz lembrar o texto "Saindo do POço".

Parabéns! Você é muito talentosa.