Alice

Ninguém suspeitou no principio, mas Alice sempre foi uma pessoa diferente. Fisicamente, não era possível precisar quando, como e, principalmente, por que; mas ela havia mudado. A pequena criança não havia nascido com olhos negros como a noite que se destacavam no rosto pálido e triangular. Assim como, não tinha cabelos lisos e tão escuros quanto seus olhos. Ela tinha mudado. Seu temperamento era imprevisível e seu humor... não estava lá.

Sua vida era privada do contato com o mundo externo, não se sabe dizer se foi por proteção ou medo, por parte de seus pais.

Alice tinha apenas sete anos quando aquele trágico acontecimento foi descoberto na pacata cidade em que morava com seus pais. Os vizinhos notaram uma monotonia fora do normal e chamaram a polícia. Gritaram pelo nome de todos, mas na ausência de resposta, a polícia invadiu. O segundo policial trombou no primeiro, que ficou paralisado ao entrar no corredor da casa. Na outra ponta, iluminada pela pouca claridade que entrava por alguma janela da cozinha, estava a pequena Alice, com um vestido azul coberto de sangue. A garota segurava nas mãos uma faca e olhava através da densa franja negra que lhe caia sobre o rosto. Os policiais avançaram lentamente e diante da indiferença da garota, que parecia estar hipnotizada, tiraram a faca da sua mão. Mais ao lado, encontraram o corpo dos pais de Alice, mortos há pelo menos dois dias.

Para uma cidade pacata e com poucos recursos, em nenhum momento passou pela cabeça das autoridades que aquela pequena criança pudesse ter sido responsável pela morte dos pais. Foi concluído que, perturbada e traumatizada, a garota ficou de pé, em estado de choque, por dois dias, segurando a arma que, ou o pai ou a mãe, teria usado para assassinar o parceiro e, em seguida, se matar. Foi levantada a possibilidade de mandar a garota para alguma clinica, mas encontraram os únicos parentes vivos da garota numa cidade não muito distante de lá.

Alice foi para a casa dos tios, que a colocaram em uma escola. Em poucos dias tiveram reclamações a respeito do comportamento agressivo da garota e, para evitar maiores constrangimentos, resolveram mantê-la dentro casa.

A cidade dos tios era ainda menor do que a cidade que morava com seus pais. Em função disso, todos tinham constante contato com o delegado.

No inicio, seus tios tentaram evitar comentários e explicaram para o delegado que a garota tinha um comportamento tímido e por isso que a afastaram da escola, mas com o passar do tempo, revelaram ao oficial que a jovem menina tinha surtos de agressividade que chegavam a assustar.

Certo dia, o delegado recebeu uma ligação dos tios de Alice. Antes que algo pudesse ser dito de forma clara, a linha caiu. Achando a situação suspeita, o delegado se dirigiu até a casa da família para averiguar. Não teve dificuldade para entrar na casa e logo se colocou em alerta ao ver sangue no chão. A mancha de sangue o levou até a cozinha, onde encontrou o casal estendido sem vida no chão. No canto oposto, próximo a pia, estava Alice. A garota estava imóvel e, usando um vestido azul coberto de sangue, segurava uma faca.Assustado, o policial correu para o carro patrulha para pedir reforços e uma ambulância. Voltou com a arma em punho e ao entrar na cozinha, não pode acreditar no que estava vendo. No lugar em que a menina estava, havia outro corpo no chão, com os pulsos cortados. A menina aparentava a mesma idade e usava o mesmo vestido que tinha visto em Alice, porém a garota era loira, de cabelos cacheados e olhos azuis. O delegado não sabia, mas diante dele estava o corpo morto da verdadeira Alice.

Talvez me falte

As noites de inverno no Sul de Minas são um tanto frias.

Mesmo que o Sol venha agraciar as tardes que adormecem vermelhas nos braços da noite prateada de estrelas...

Parece faltar algo... Parece faltar alguém...
Talvez alguém que divida comigo a graça do amanhecer sem os travesseiros na cama e o corpo descoberto pelo calor que só existe dentro de mim....

As manhãs de inverno no Sul de Minas também são frias...

Falta alguém que eu possa declamar meus versos enquanto me desfaço em chamas que aquecem meu coração.
Falta alguém para ver filmes e comer pipocas...

Para ouvir músicas e ter de quem lembrar com o gostoso aperto de saudade no peito.

Falta uma ligação no meio da noite pra dizer que estava a sonhar com o nosso amor.

Falta um tom de voz mais grave no meu ouvido a instigar meus desejos secretos.

Falta um abraço, às vezes amigo, quase sempre entregue, mas... Sempre disposto.
Falta um beijo para silenciar as minhas muitas palavras sem nexo nas horas de agonia e aflição.

Me falta uma mão...
Uma mão junto à minha...

Andar de mãos dadas pelos cantos deste mundo, sem leste, sem léguas... Para sentir que há, de verdade, alguém ao meu lado. E sentir que eu estou, de verdade, ao lado de alguém.
Talvez me falte um amor. Talvez me falte... namorado.

Dia qualquer

Não passa de um dia, assim como aniversário, ano novo ou dia das mães. Um dia qualquer. Se realmente pararmos para pensar, todas essas datas são tão vazias, são apenas datas. Nosso comportamento é falso, pois em dias como esses nós mudamos nosso comportamento. Pensamos nas coisas erradas e certas que fizemos. Planejamos os próximos passos, almejamos conquistas e ponderamos deslizes.

Não quero ser esse tipo de pessoa. Quero ser aquela pessoa que faz isso a cada dia do ano. Não vou aparecer no horário, com um presente na mão, sendo que me atrasei todos os demais dias do ano. Não abrirei a porta do carro para você descer no momento em que chegarmos a um restaurante requintado. Pois não quero ser esse tipo de pessoa.

Não lhe darei um cartão meloso e repleto de promessas. Nem mesmo irei de bom grado naquele almoço de família e ter que agüentar a sua mãe falando que eu engordei e que eu preciso me cuidar. Não sou esse tipo de pessoa.

Você não vai provar um beijo diferente no dia de hoje, nem mesmo beber uma taça de vinho tinto de uma safra italiana produzida num ano que nem mesmo o meu avô tinha nascido. Hoje não! Pois eu não sou esse tipo de pessoa.

Você me conhece, afinal, namoramos há tanto tempo. Você sabe que tipo de pessoa eu sou. Então, meu amor, na data de hoje, vamos pedir uma pizza e beber coca-cola no sofá da sua casa. Você me conhece. Todos os dias do ano eu cheguei no horário, diversas vezes apareci com um cartão meloso ou um presente nas mãos. Não paro de criar planos ao seu lado, assim como não paro de cobri-la de beijos. Uma vez a cada quinze dias eu passo o dia com a minha segunda mãe e ela sempre se preocupa com a minha saúde. Não teve um só dia em que você entrou no carro sem que eu lhe abrisse a porta, salvo uma vez ao mês quando vamos ao restaurante requintado e o manobrista faz isso por mim.

Você me conhece, e sabe que o que sinto por você é maior a cada dia, não apenas maior no dia de hoje. Você me conhece tão bem, que sabe que eu estou com ressaca daquele vinho do século passado que tomamos ontem. Então, sente aqui do meu lado, vamos ver que filme está passando, pois a pizza logo vai chegar e eu quero você por perto para comemorar o dia de hoje, afinal, não passa de um dia qualquer. Feliz dia dos namorados, meu amor!

Danielle



(para ler em voz alta)

Danielle Danielle. Esse era o som que o cavalo fazia quando andava. Danielle. Ela não gostou do som. Danielle Danielle. Mas as patas do cavalo tocavam o chão e faziam Danielle. Ela fez cara feia e disse que não era um cavalo. Perguntei se ela não sentia o som. Danielle era o som da pata do cavalo tocando o chão.

Do mesmo modo que Cecília é um sussurro no ouvido, Clarice, uma gota d’água caindo, Lourdes, a água do chafariz e Natália, um tapa na cara, o cavalo andava e Danielle ecoava.

Se fizéssemos silêncio, verias que é um som bonito. Só que palavra não se vê nem se escuta, se sente. E teu nome é uma palavra. E está entre as mais bonitas. Você não sente, Danielle? Sinto muito – ela disse. E ainda me acusou de sentir demais.

Danielle Danielle. O cavalo se aproxima, balançando sua crina. Montada nele, com seu vestido longo e pomposo, a princesa dos olhos azuis de piscina e cabelos loiros de platina. Danielle, sente as cores? Consegue sentir a rima? Ela ria de mim, mas não pude parar: Te adoro, Dani, minha menina.

Ser arte


E eu me expresso...
Com dores, com amores, sem rumores...
Sem dores, sem amores, sem rumores...
Eu me expresso...

E arte me faz poetisa...
E a poesia me faz arte...
Faço de mim música...
Faço de mim poesia...

As palavras, sem medidas, me transformam em texto.
Interpreto, sou interpretada...
Analiso, sou analisada.
Mas, me expresso...
Faço da folha quase um impresso de mim mesma.

Eu falo...
Eu canto...
Às vezes, encanto...
Mas ouso a ser arte...
Pretensiosamente, me faço!

Entorpeço, embebedo e me alivio de mim.
A palavras são tecidas como panos de fundo do que sinto...
Os sentimentos, servem como base do que crio...
Do que às vezes minto...
E as palavras decoram as paredes do meu quarto, nunca vazio.

Visão, audição, paladar, olfato, tato...
Sentidos aguçados...
Sentidos despertados...
Arte que me invade, me enlouquece, me arrasta, me liberta...

Me faça qualquer coisa...
Me faça arte...
Arte de ser alguma coisa...

Vivo... e me faço viva em você...
Porque sou parte...
Parte do mundo... parte da arte.

Artista


"Ele chuta a bola
e quebra meu vaso.
Está sempre aprontando alguma,
e por isso me atraso.

Pede batata frita,
hamburguer e salgadinho.
Mas ele desaparece quando eu grito:
Hora do 'bainhooo'!

Não faz nenhuma lição,
e só pensa em brincar.
Chega em casa coberto de lama,
e com pique para aprontar.

Não adianta dar castigo,
nem mesmo sermão.
Já tentei contar até três,
e até descer a mão.

Ele é incorrigível,
Mesmo assim, meu coração não se parte.
A mãe sempre ama seu filho,
mesmo ele só fazendo arte!"

Sacia-me


Início da pintura:

Uma folha costurando os contornos, fruto da colheita poética. Na boca, poléns (dai-nos um pouco mais do vermelho), fuxicos coloridos.
Momentos em que Deus mostra nossas costuras, só pra se ouvir dizer: - Da arte queremos também o verso! Um desses sonolentos, atrevidos, temperados de insanidade.
Todos os pincéis-borrados.
- Pensamos não inspirar.
Escrevemos o que a nós não pertence. (Adentrem na pimenta de nossos verbos mais sarcásticos).

Olhamos para o chão e não suportamos a idéia de ter pés fincados em um branco tão desbotado.
Já estes versos do artista, são sempre errantes. Mas, a arte em si tem formas de nuvens presas. (Soam vôos absurdos).
Diante da arte, nesta roupagem pálida, conformo-me em ser um “nada”.
- Não há injustiça maior que justificar um artista atrofiado.

A arte é umbigo do ventre terra que nos pariu.
-Deixo de interpretar paisagens.Somos apenas o palco da obra.
Abra mão de significados cultos e ocultos. Consagra-se arte em incompreensão calada.
A arte fica exposta na eternidade que sempre reinventamos. Arte exposta: - visitantes de nós mesmos.

Os versos estão entranhados nos dedos. Frio: manifesto-Esculturas indefinidas. –Não compreendemos possíveis olhares.
- Pintamos quando o retratado eclode.
- Decodifique arte. Ânsia do encanto poético-humano.
Todas as artes emergindo das indefinições. Se não vemos o amarelo, tampouco criamos o verde.
Ainda assim, estamos acesos.

Estar vivo é um estado de arte.

O grande artista guarda o sol no sono. E se escreve, escreve no vento.
Doce beijo vira prosa.
A arte, por vezes nos pega no colo, mostrando-nos os grandiosos caminhos subjetivos.
Traduz transcendente em movimentos artísticos no qual nosso espírito pelo infinito dançou.

Arte definida é violação.

A arte grita: - Sacia-me!
O tesão que o outro sente, agrada ou enoja.
A arte ferve: São de palavras que arrepio.
Os poetas sofrem de um tédio aparente, de uma ansiedade criativa.

A arte não poupa papéis. Antes, renova-se em madeira, amor e aço.
Diante de certos olhos, os papéis pouco dizem. Mas, estes poetas escrevem no escuro.
Felizes os que não prevêem nada. Estabelecendo a imprevisibilidade da arte.
A arte rompe as rédeas que não lhe pertencem.

Atemporal. Abraça quem a estiver contemplando.

Por vezes, encurva-se para ninguém ver. Esta que pincelada ganhará a tonalidade única que lhe garante o direito de ser poluída por deuses ferozmente humanos.

- Não nasci para ser entendida. Resmungou a arte.

Mundo Música


Mundo Música


O meu mundo... Ou eu mesma... Meu mundo.


Vivendo em sete notas, sem sete vidas... Sem ré, nem dó...
Cantando minha história em sol maior...

Entre agudos e graves de emoções sem compasso...
Em tempos sem métricas...


Ouvindo dos ventos os sons invisíveis que levam as flores dançarem como se ouvissem uma orquestra de alegria...
Gosto de dançar com as flores... Danças que às vezes me embalam em serenos movimentos... Lentos e sem pressa...


E não dispenso o calor dos tambores que rufam gigantes no pulsar do meu peito.

Isto me faz sambar... Este pulsar acelerado, ritmo desengonçado...

Que me faz sorrir...Às vezes chorar... Tirar os sapatos...

Porém, jamais descansar...


E quando o meu ritmo é manso... Quando danço lento.

Danço só... Esperando um par...

E nestas horas, me sinto um violão sem cordas...

Um piano sem pedais...

Uma flauta sem ar...

E sinto que parece uma nota em mim, faltar...


Sou melodia composta de pura inspiração.

Nenhum acorde é planejado ou premeditado...

As notas soam conforme soam os sentimentos em meu coração...


Há sempre um som...

Não há silêncio...

Meu mundo é música o tempo todo.

Meu tempo é todo música.

É música todo o meu silêncio.


Faço dos meus dias canções inéditas...

Em tardes vazias, caio no gosto popular...

Em noites sem luar...Sou música erudita...

Acordes que soam claros, porém, sem uma perfeita interpretação.
Faço-me entender como uma trova musicada...

Rimas em sinas descompassadas...

Encontradas pelas esquinas...

Vários ritmos e estilos...

Sem moderação nenhuma.

Sem maestros ou regentes...
Música... Mundo... Ou eu mesma.
O tempo pode me apagar...

E por isso já pedi ao vento que se encarregue do meu som se propagar...

Grave!

É engraçado sair a noite, ver o agito dos bares, casas noturnas e restaurantes. Meus amigos são muito solidários e nunca me deixaram de fora de nenhuma dessas badaladas noites de farra. Mulheres lindas dançam. Eu flerto com elas, mas me mantenho alheio da pista de dança. Fico com minha bebida gelada na mão, o pé e a cabeça balançando suavemente de acordo com o grave que faz tremer os copos e garrafas. O grave faz tremer o meu peito!

As garotas pensam que sou tímido, mas a verdade é que eu sou na minha. Confesso que uma vez ou outra, tento roubar um beijo, mas isso não é freqüente. Algumas mulheres se aproximam, jogam o seu charme e eu hesito. Sorrio, troco olhares, mas fico no meu canto.

Sou modesto, mas deixarei a modéstia de lado para dizer que sou um cara atraente. Minha franja jogada, meu sorriso sedutor e meu olhar frio fazem um tremendo sucesso. Esse sucesso faz algumas garotas chegarem em mim. Mas as únicas que provaram do meu beijo foram aquelas que chegaram e me beijaram. As outras, pulei fora. É terrível dizer, mas pulei fora.

O final da noite é sempre o mesmo: meus amigos tirando sarro de mim por sair zerado da balada. Eu não ligo, pois sei que eles estão apenas brincando. São irmãos de verdade dos quais jamais encontrarei igual. Eles não sabem como é, mas fazem idéia.

Adoro a noite e adoro sair para baladas. A música eletrônica é a minha religião. Não tente me levar para um forró, um samba ou show de rock, pois em todos esses lugares eu vou sentir a falta do grave.

Algumas noites, mesmo com o som bem alto da balada, fico pra baixo. Difícil encontrar alguém que não se anime com a música, afinal, é algo que nos faz bem. Mas mesmo assim, eu entristeço em alguns momentos. E isso acontece sempre quando as músicas não têm grave. Quando isso acontece, os copos não vibram. O meu peito não vibra. Quando isso acontece, eu não sinto a música.

Você não faz idéia de como é triste nunca ter ouvido o som de qualquer coisa. Você não imagina como é viver sem nunca ter ouvido música... Eu não posso ouvir, apenas sentir. E é por isso que, para eu estar bem e para a música ser boa, essa música tem que ter grave! Só assim, serei capaz de sentir a música.