São Paulo


- Mas por quê São Paulo?

- Eles precisam de mim lá. É uma ótima oportunidade, não posso perder. – Disse ele se levantando da cama e olhando para o chão desesperadamente atrás da camisa. Ela aponta para o pedaço de pano branco jogado a centímetros de distância.

- São Paulo é longe de mim. – Disse ela de cabeça baixa num tom infantil.

Depois de vestidos, ninguém fala mais palavra alguma. Depois de tanta discussão, o silêncio era a escolha mais sensata. Há pessoas que negam a sensatez. João não era desses. Racional, matemático, pessoa pé no chão, normal, João era como todo mundo. Marina era vegetariana e tinha tatuado no braço uma clave de Sol. Ela era só coração e presente, mas egocêntrica demais para confessar que sentiria falta.

- O táxi chegou. – Ela disse pegando uma das malas no chão da sala. Ele tirou da mão dela e carregou tudo sozinho para o táxi.

O caro amarelo parado na frente do prédio, esperando João embora. E Marina que não teve coragem de olhar para ele no elevador. No táxi, a única palavra: “Aeroporto”.

Enquanto ele verificava documentos, passagem, procurava seu portão de embarque e se perguntava insistentemente se não esquecia nada, Marina sentada no banco via as pessoas passarem. Apressadas, como sempre. Fazendo planos. E a única coisa que Marina planejou até agora era chegar em casa e tomar banho. Talvez depois bebesse café e colocasse o cd do Chico para tocar. Talvez chorasse ao olhar a cama vazia e o lençol ainda amarrotado. Mas isso ela não planejava. Marina era do tipo de pessoa que não planeja, mas tinha guardada a imagem deles dois sentados no sofá com os cabelos brancos com um álbum de fotografias nas mãos. Rindo juntos. Mas isso era um plano?

- Meu vôo é daqui a quinze minutos. – Disse ele. E Marina distraída olhava um menino de cabelos loiros sentado ao lado com sua mãe tentando abrir com os dentes um pacote de biscoitos. – Escutou, Marina? Eu vou embora daqui a quinze minutos.

- E quando você volta?

- Eu não sei se eu volto, Marina. Eu já te expliquei isso.

Ela olhou para o painel com o horário dos vôos. Lembrou sem querer da festa em que se conheceram. Ela tinha acabado de voltar da Itália. Ele estava bebendo cerveja. E pensar que esse tipo de coisa começa só com uma troca de sorrisos. Um gesto tão simples. Quando olhou para ele de novo, João já estava com as malas nos braços. E com água nos olhos ela insistiu:

- Mas por quê São Paulo?

Ele não respondeu. Seguiu em direção ao portão de embarque e ela foi atrás correndo meio desengonçada, com os braços cruzados apertados, olhando para o chão. Ele beijou sua testa e disse:

- Vou sentir saudade. – Mas ela não disse mais nada. Se virou e foi andando embora.

Olhando ela de costas indo na direção contrária, João disse para si: Ela que vai me deixar, ela quer ser aquela que vai dar às costas. Olhou depois para a passagem nas mãos: São Paulo. Ele lembrou pela primeira vez daquela troca de sorrisos. Da cerveja e da menina de cabelo preto sentada no sofá na festa na casa do Fábio. Lembrou de ter sentado do seu lado e ter perguntado:

- Tudo bem?

- A Itália é linda. Vou morar lá um dia. – E lembrou de ter escutado isso milhões de vezes nesses dois meses.

- Marina! – Ela se virou – Eu fico.

- Não, João. Você tem que ir, estão te esperando em São Paulo.

- Então vai comigo, Marina. – Disse ele em um tom quase de choro, que soa a desespero engasgado.

- Quê? – Ela franziu a testa.

- Vai comigo e a gente casa.

- São Paulo é pequena pra mim, João. Achei que você já soubesse disso.

E então ela se virou e foi sim aquela a dar as costas. E não teve que ver o outro partindo. Marina deixou João e seguiu sem procurar ser entendida.

Questiono


Começo ou termino? Escrevo ou arrumo as malas? Resposta: - Penso!!! Sempre penso!!!

Há quinze bilhões de anos, mais ou menos, “Big Bang” (barulho) e, toda energia concentrada e densa sofreu uma grande explosão e assim criou-se o Universo, dizem os cientistas.

Já Deus, em sete dias, criou céus, terra, luz, trevas, águas, árvores frutíferas, sementes, animais (a serpente, por exemplo), Sol e Lua para separar o dia e a noite e ainda criou o homem (Adão). Depois de tanto trabalho, descansou no sétimo dia, conta Moisés no primeiro livro da Bíblia, Gênesis, escrito, segundo registros, em 1410 a.C. (antes de Cristo).

Quanto à criação do homem, a ciência diz que somos uma evolução do macaco. Mas quem criou o macaco? Se, por acaso, alguém responde que foi Deus, quem criou Deus?
A energia concentrada e densa que sofreu a explosão há quinze bilhões de anos dando origem ao Universo, quem criou? O que era o tudo antes de ser... tudo?
Quem contou para Moisés que Deus criou o Universo? Claro que é uma bela narrativa a Criação do universo. Prefiro isto à teoria do Big Bang. Muito mais romântica. Aliás, quem ensinou Moisés a escrever assim?

“Adão e Eva”, “Os Sete Pecados Capitais”, “A Arca de Noé”, entre tantas outras histórias da Bíblia, seja novo ou antigo testamento, são histórias fascinantes! E se não fosse pela linguagem rebuscada, diria que são histórias pós-modernas! A tentação, a traição, o descontrole sobre os instintos, as tragédias naturais, luxúria, avareza, inveja, gula, ira e até mesmo a condenação de saber a diferença entre o bem e o mal, são temas mais que atuais, apesar de terem sido tema do primeiro livro de toda a história da humanidade. Impressionante como os “profetas”, assim chamados todos os escritores da Bíblia, são contemporâneos à nossa realidade!

Os dilúvios, por exemplo, não são mais privilégios só de Noé. É só ler ou ver o noticiário de hoje. A diferença, talvez, pode ser a Arca. Ou melhor, a construção dela. Porque, dificilmente encontraríamos nos dias atuais um homem como Noé. Os heróis de hoje demandam de pouca fé. São escassos!!! Poucos e raros, geralmente são tão ocupados em matar a fome que não resta tempo para pensar na falta dos sentimentos que rompem os laços do mundo. Tem estômago gritando mais alto que a dor de quem perdeu a fé. Assim fica difícil construir uma arca a espera de um dilúvio que nem sabe se virá.

Talvez os chineses!!! Mas só porque são prevenidos. Eles constroem abrigos para se safarem dos terremotos. Mas a orientação vem da ciência e não de previsões místicas. Noé não contava com a previsão do tempo e, ainda assim, construiu sua arca. Será esta grande diferença dos tempos? A decadência dos sentimentos?

Sobram teorias e falta fé. Fé em qualquer coisa que nos é abstrato. Não digo fé em Deus. Digo fé em (repito), “qualquer coisa que seja abstrato”: amor, respeito, generosidade, companheirismo, amizade... E a própria fé! É preciso ter fé na nossa fé. “Minha fé em pó, solúvel, minha fé em pó!” É preciso acreditar em nós e nos nossos sentimentos que a ciência não explica, mas, mudam o mundo. Mesmo que seja o seu mundo. Mesmo que seja o meu. Mesmo que seja um mundo só. Mas os sentimentos mudam o mundo.
E não sou arrogante a ponto de achar que esta é a grande solução para o Universo. Eu ainda nem sei como ele foi criado!!! Então, como arriscar uma solução?


Big Bang, Criação Divina, Antigo e Novo Testamento, antes e depois de Cristo? Qual o princípio de tudo? Será o fim? Como, se ainda nem sabemos do começo?

É... Vou viajar amanhã. Estou fazendo as malas. E acabo de chegar à conclusão de que preciso de um baú sem fundo para levar tantos questionamentos sem respostas.
Deixo nestas linhas mal escritas um pouco do barulho que tem minha cabeça.


Eu era uma criança

Eu era uma criança. Olhava para o céu, e ingênuo me perguntava quão grande ele poderia ser. Eu observava o mundo e não enxergava a doença que existia nele. Eu via o por do sol, e nele eu não via maldade; apenas um dia que partia, para dar lugar à noite. Quantas vezes eu não fitei o céu e me perguntei: Quantas estrelas devem existir? Não sei como, mesmo temendo o escuro, eu aprendi a amar a noite. Venha noite e devore o dia que está acabando. Derrame seu véu e coloque um sorriso no rosto dos casais apaixonados.

Mas eu não sabia disso tudo. Eu era uma criança. E naquela época, eu me lembro de assistir desenhos, de ver coisas engraçadas e educativas na tv. Eu me lembro de ver o céu escurecer brincando de queimada com meus amigos. Ah, quantas vezes eu não fui atingido, e neguei até que todos realmente acreditassem em mim? Eu não tinha maldade nos olhos, e por isso, não temia ao cruzar com um estranho. Eu era feliz, eu era uma criança.

As coisas não mudaram ao redor de mim. A violência não aumentou, as mortes continuaram, e o sol continua a se deitar no mesmo horizonte que antes. Continua tão belo quanto antes. E a noite? Mesmo depois de tantos anos, ela continua linda, e às vezes ainda me faz perguntar... 'Quantas estrelas existem no céu?'. O vento sopra, e dessa vez eu sinto o cheiro no ar, um cheiro que não sentia quando eu era uma criança, o cheiro do perigo: Um estranho se aproxima, seria ele um bandido, ou um seqüestrador? Ah, como eu queria voltar para aquele tempo, onde meus olhos não enxergavam essas coisas. Voltar no tempo onde eu ainda era uma criança.

As crianças de hoje não mais brincam de queimada. Será que elas ao menos sabem que brincadeira é essa? Hoje elas jogam videogames, conversam pela internet, e o papai Noel... Bom, o doce e gentil velhinho não mais traz carrinhos e bonecas. Hoje ele trás celulares.
Imagino qual será a programação que as crianças mais gostam na TV nos dias de hoje... Aposto que são os programas de palco que passam aos domingo. Ou seriam aqueles programas que ficam falando sobre a vida dos outros? Ah, como eu queria voltar a assistir desenhos. Meus olhos não mais encontram crianças como antes. Meus olhos não encontram a inocência que tive. Ou será que ainda tenho?

Eu era uma criança. Eu olhava para o céu, e ingênuo eu afirmava: vou ensinar o meu filho a andar de patins. Eu era uma criança e afirmava: vou mostrar os desenhos do pica pau para meu filho. Eu era uma criança e afirmava: vou correr com meu filho pela grama do parque e cobri-lo de carinho. Mas, hoje eu não sou uma criança. Olho para o céu e não consigo ver as estrelas como antigamente. Tento ficar em silêncio, mas ouço gritos, choros, lamentações... O que aconteceu?

Eu era uma criança. E naquela época, não enxergava os problemas. Ou será que eles não existiam? Hoje eu olho para o céu e rezo. Rezo para que um dia meus filhos olhem para o céu. Rezo para que eles possam brincar pelas ruas sem sentir aquele cheiro da maldade. Rezo para que, ao contrário de mim, a esperança não perca a força com o tempo. Pois o tempo me mostrou que, o por do sol vai continuar lindo como antes, e para que isso aconteça, nós não podemos deixar que os nossos olhos mudem.

Estou pensando em todas as coisas que fiz, e não me arrependo de nada. Só me arrependo de ter deixado uma parte da criança que existe em mim, envelhecer. Mas sei que continuarei olhando o céu, e com certeza voltarei a ver as estrelas. Elas sempre estiveram lá.

Eu era uma criança e olhava o céu, e naquela época, não fazia idéia de que hoje eu estaria na frente de um computador lamentando da inocência que eu vivi... Mas, que graças a Deus, eu não esqueci!

Um novo continente


Eu percebi que o aquecimento global, de uma maneira ou de outra, afeta a minha vida. Não de uma forma tão óbvia quanto a mosca que pousou na minha sopa ou a minha tv quebrada bem na hora do horário nobre. Mas me dei conta de que os ursos morrendo afogados no Pólo Norte afetam a minha vida. E eu ainda não estou fazendo um manifesto.

Eu descobri que, quando acordo sorrindo para o meu jardim, uma brisa leve passa e espalha sorrisos nos rostos das folhas. Porque a pétala da rosa é uma extensão de mim mesma. E eu sou vista do espaço pelo cacto que plantei no canteiro da frente.

Aprendi que uma panela de brigadeiro para calar o chororô é, no mínimo, gostoso. Mas isso eu aprendi levando muito na cara. Aprendi a ver a minha cara em outras caras. Aprendi uma técnica de caretas.

É que cada vez que eu danço, alguém abaixa uma arma. E agora sei que fazer alguém sorrir já um manifesto de paz.

Descobri que dentro de mim moram o vermelho e o azul e que com eles eu posso colorir todo o bege do mundo. E consegui seguir em frente sem dar ouvidos a pessoas de cor mostarda. Descobri como manter a vida cor-de-rosa.

Danço

Descompassada.
Fora do ritmo.
Desengonçada.

Pés, pernas, corpo e alma...
Embalados pelo som leviano da solidão.

Não há público.
Não há palco.
Só há ilusão.

Um dia já foi estrela.
Com saudades de si mesma, fechou o livro que lia e pegou o caderno para escrever o seu. Esboçou suas primeiras linhas de recordação:

No palco solitário de tábuas corridas, já um tanto gastas e velhas, a cortina vermelha mostrava as pontas dos pés de quem ali, no mesmo lugar, escreveu histórias bordadas pelo mais doce calor de aplausos e admiração. Eram meus pés.

A cortina cobria meu rosto vermelho que chorava a dor do meu último espetáculo. Foram anos dançando no mesmo lugar. E a cada dia, a cada espetáculo, a cada dança e a cada passo, me vinha uma sensação diferente.

Me alimentava dos olhos brilhantes e entusiasmados que assistiam aos meus movimentos, às vezes lento, às vezes sereno e sempre agressivo na forma de conduzir os saltos, que era a maneira que gostaria de conduzir minha vida.

A dança, quando cheia de sentimento e entrega, provoca sonhos muito além da imaginação. As almas expectadoras, nem sempre calmas, esperam pelo ápice da fartura desta mistura de movimentos e sons. Aguardam pela satisfação entusiasmada de... "sou mais que um corpo sem estação".

Porque, na verdade, todos nós desejamos nos sentir mais do que somos. Todos nós desejamos sentir mais do que sentimos. E por fim, somos menos do que tudo que poderíamos ser.

Me levanto e, ainda no palco cheio de mim... cheio das minhas lembranças... Saio a andar e não escondo mais meu rosto vermelho. Abro as cortinas e meus olhos ainda choram. Lamento a falta de público. Porque, de tudo que apresentei ali, para tudo que senti havia alguém a registrar.

É difícil não ter quem registre uma despedida.
Não há ninguém para ver minha solidão. Não ouço aplausos. Não tenho o brilho dos olhos de admiração. Já não há mais público.

De tudo, tenho as boas lembranças e, ainda, a dança. Mesmo descompassada... mesmo desajeitada... Sem ensaios prévios, me entrego ao compasso do meu coração.

Não desço do palco. Não saio de cena.
Danço enquanto restar a última gota da minha emoção.